segunda-feira, 11 de julho de 2016

Uso indevido da morfina causa o pior tipo de dependência, afirma especialista

Excesso de derivados do ópio gera parada respiratória, como ocorreu na morte do cantor Prince

Astro da música, Prince morreu por overdose de opioides Getty Images

Há poucos meses, a perícia americana constatou que a morte do cantor e compositor Prince, ocorrida em abril último, foi causada por uma dose excessiva de opioide trouxe à tona o perigo que envolve o uso incorreto deste tipo de medicamento. Derivado do ópio, o opioide pertence a um grupo de medicamentos muito potentes, utilizados para a diminuição e até a eliminação de dores. São usados em casos de dor crônica e aguda, ambas intensas, em geral ligadas a doenças graves, como câncer, ou fraturas.

Uma de suas formas medicamentosas mais conhecidas é a morfina, encontrada em farmácias, segundo o anestesiologista José Luiz Gomes do Amaral, ex-presidente da Associação Médica Mundial e membro titular da Academia Nacional de Medicina. Ele considera este tipo de medicamento muito perigoso se utilizado sem acompanhamento adequado.

— É claro que administração de opioide fora de um contexto hospitalar ou supervisionado é perigosíssima porque o opioide induz à depressão respiratória. A pessoa pode sofrer efeitos da hipoventilação e ter parada respiratória. A parada cardíaca vem na sequência.

Michael Jackson

O médico explica que, por serem potentes, tais remédios são utilizados inclusive em anestesias antes de cirurgias. A maior parte deles só é fornecida para uso hospitalar.

— São utilizados com bastante frequência tanto em anestesia geral quanto local, uma vez que os opioides são administrados perifericamente, por exemplo, no canal vertebral, o que gera um efeito regional, segmentado.

Ele ressalta, porém, que, no caso da anestesia geral, há a necessidade de incluir outros fármacos, já que o opioide não tem como característica básica o poder hipnótico, para levar à perda da consciência. E não é recomendável, portanto, para acabar com a insônia.

No caso do cantor Michael Jackson, morto em 25 de junho de 2009, Gomes do Amaral afirma que a causa não teve relação com uso de opioide, mas sim com o de propofol, uma outra substância utilizada em anestesias.

— O propofol sim tem uma atividade hipnótica muito intensa, o Michael Jackson costumava utilizar o propofol em casa e quem prescrevia era o médico que cuidava dele.

Conforme ele afirma, a analgesia (diminuição da dor) é um dos componentes anestésicos.

— A anestesia é um conjunto de propriedades, uma delas é a diminuição ou abolição da dor, mas a anestesia também é entendida como abolição da consciência, além de também levar a um relaxamento muscular. Na anestesia geral buscamos todos esses efeitos, inclusive os analgésicos.

Dependência perigosa
Mas há um fator que torna o fármaco ainda mais perigoso, segundo atesta o psiquiatra Guido Palomba: é o alto risco de dependência causado por este tipo de medicamento, algo que possivelmente ocorreu na morte de Prince, em Minneapolis (EUA), cuja perícia divulgada no início de junho.

— O opioide começa a ser usado por questão de dor, é um dos melhores analgésicos, quando nada mais funciona. Mas acontece que ele tem um poder de sedução, dá um bem-estar muito grande. O paciente começa a usar como analgésico mas o poder de sedução dele é dos maiores, a ponto de alguém tomar três doses e já querer tomar mais e não conseguir se libertar.

A diferença, segundo ele, em relação às drogas alucinógenas, como cocaína, heroína, LSD é que, além de ser um medicamento legalizado, o opióide não tira ou altera a consciência do usuário. No entanto, não deixa de exigir cuidados para que não haja dependência.

— A pessoa se sente flutuando, fica etérea, com uma sensação de alívio e plenitude imensos, e, ao mesmo tempo, com os sentidos funcionando, não com alucinações. Há casos até de pacientes que inventam dores e vão ao hospital para continuarem tomando esses opioides. Pode-se dizer que se insere no pior tipo de dependência.

Neste caso, segundo Palomba, que é diretor da Associação Paulista de Medicina e membro emérito da Academia de Medicina de São Paulo, cabe ao médico estar atento para que, em casos de necessidade, o medicamento seja administrado com critério.

— O uso de opioides necessita de cuidado, tanto é que a receita não é nem comum. Aqui no Brasil há a receita branca e a azul é utilizada para tarja preta. Para drogas como morfina a receita não é obtida facilmente. Se o uso é indicado, a morfina é administrada mas depois é necessário o chamado “desmame”. O médico inclui o fármaco no tratamento, o paciente vai pedir mais, mas o médico tem de administrar e ir tirando até sumir qualquer dependência. A crise de abstinência de opioides é fortíssima, no nível mais alto da abstinência, entre todos os tipos.

Segundo pesquisa do Journal of Pain Research 2015, o Brasil é um entre os 10 países que menos prescrevem opioides no mundo. Gomes do Amaral ressalta que, em países menos desenvolvidos, o uso de opioide tende a ser menor, por causa de um número inferior de receitas prescritas e do sistema de saúde menos acessível em relação a países desenvolvidos. Como explicação, ele acrescenta ainda o baixo grau de conscientização da população em relação aos perigos que esta droga tem em caso de uso indiscriminado.Uso indevido da morfina causa o pior tipo de dependência, afirma especialista

Eugenio Goussinsky, do R7
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