sexta-feira, 13 de abril de 2018

Antidepressivos e abstinência: uso de longo de termo é ligado a problemas severos


Um dos maiores riscos do uso de antidepressivos é a síndrome de abstinência: muitos dos que tentam parar de tomar a medicação dizem que não conseguem, devido a sintomas sobre os quais nunca foram avisados.

Isso é certamente um problema, principalmente quando levamos em conta que cada vez mais pessoas estão tomando antidepressivos: de acordo com um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), a população brasileira é a mais deprimida da América Latina. Um levantamento realizado pela SulAmérica em 2016 mostrou que, em seis anos, houve um salto de 74% no número de antidepressivos adquiridos pelos seus segurados.

Além disso, o The New York Times informou que o uso de longo prazo deste tipo de medicação está crescendo nos Estados Unidos, de acordo com uma análise de dados federais: cerca de 15,5 milhões de americanos estão tomando os medicamentos há pelo menos cinco anos, uma taxa que quase dobrou desde 2010 e mais do que triplicou desde 2000.

Uso de longo prazo: o que sabemos?
Os remédios têm de fato ajudado milhões de pessoas a aliviar a depressão e a ansiedade, e são considerados marcos no tratamento psiquiátrico. Muitas pessoas, inclusive, param com os medicamentos sem problemas significativos. Mas o aumento do uso de longa data tem criado um problema crescente de abstinência.

Os cientistas há muito esperavam que alguns pacientes pudessem experimentar sintomas de abstinência se tentassem parar, a chamada “síndrome de descontinuação”. No entanto, esse efeito colateral nunca foi o foco de fabricantes de medicamentos ou reguladores governamentais, que apenas assumiam que os antidepressivos não eram viciantes e faziam mais bem do que mal.

A questão é que esses medicamentos inicialmente foram aprovados para uso a curto prazo, seguindo estudos que normalmente duravam cerca de dois meses.

Estudos posteriores sugeriram que a “terapia de manutenção” – uso da medicação a longo prazo e muitas vezes em aberto – poderia prevenir o retorno da depressão em alguns pacientes, mas esses estudos raramente duravam mais de dois anos.

Mesmo hoje, há poucos dados sobre os efeitos dessas drogas nas pessoas que as usam há anos, embora já existam milhões de usuários que estão tomando antidepressivos há muito tempo.

E se eu quero parar?
A maioria dos médicos concorda que um subconjunto de usuários se beneficia de uma prescrição vitalícia, mas discorda sobre o tamanho desse grupo.

De acordo com o psiquiatra Dr. Peter Kramer, existe uma questão cultural em jogo: quanta depressão as pessoas devem ter para receber esses tratamentos, que às vezes proporcionam uma qualidade de vida muito melhor?

De fato, os remédios são importantes para muitos pacientes, mas não são inofensivos: comumente causam entorpecimento emocional, problemas sexuais como falta de desejo ou disfunção erétil e ganho de peso. Os usuários de longo prazo relatam um mal-estar que é difícil de medir: a pílula diária os deixa duvidando de sua própria resiliência.

Sem contar os pacientes que querem parar de tomar as drogas e não conseguem. Em uma pesquisa recente com 250 usuários de longo prazo de drogas psiquiátricas, mais frequentemente antidepressivos, cerca de metade classificaram sua abstinência como grave.

Em outro estudo com 180 usuários de antidepressivos de longa data, sintomas de abstinência foram relatados por mais de 130. Quase metade disse que se sentiam viciados, e muitos criticaram a falta de informação em relação a tais sintomas antes de começar a tomar o medicamento.

Os sintomas de abstinência
Já em meados da década de 1990, os principais psiquiatras reconheceram a abstinência como um problema em potencial para pacientes tomando antidepressivos modernos.

Em uma conferência em Phoenix, nos EUA, em 1997, um painel de psiquiatras acadêmicos produziu um longo relatório detalhando os sintomas, como problemas de equilíbrio, insônia e ansiedade, que desapareciam quando pacientes voltavam a tomar a medicação.

Mas o assunto logo desapareceu da literatura científica. Os governos não deram atenção à situação, vendo a depressão desenfreada como um problema maior.

Os fabricantes de medicamentos têm ainda menos incentivo para realizar estudos caros sobre a melhor maneira das pessoas pararem de usar seus produtos.


Então não sabemos como parar

Como resultado, os médicos não têm uma boa resposta para as pessoas que lutam para largar drogas psiquiátricas – não existe nenhuma diretriz respaldada cientificamente, nenhuma maneira de determinar quem está em maior risco de passar pela síndrome de abstinência e nenhuma maneira de adaptar estratégias apropriadas para cada indivíduo.

“Algumas pessoas estão essencialmente estacionadas tomando essas drogas por conveniência, porque é difícil lidar com a questão de retirá-las”, disse Anthony Kendrick, professor de cuidados primários da Universidade de Southampton na Grã-Bretanha.

Os fabricantes dos medicamentos não negam que alguns pacientes sofram sintomas severos quando tentam se livrar dos antidepressivos. “A probabilidade de desenvolver síndrome de descontinuação varia de acordo com os indivíduos, o tratamento e a dosagem prescrita”, disse Thomas Biegi, porta-voz da Pfizer, fabricante de antidepressivos como Zoloft e Effexor. No entanto, ele disse que a empresa não pode fornecer direcionamentos sobre o melhor curso de diminuição da dose porque não os tem.

Já a Eli Lilly disse em um comunicado que a empresa “continua comprometida com Prozac e Cymbalta e sua segurança e benefícios, que têm sido repetidamente afirmados pela Administração de Drogas e Alimentos dos EUA”, e não quis divulgar estatísticas sobre sintomas de abstinência.

Precisamos de pesquisas e ensaios clínicos
Espera-se que pelo menos algumas das questões mais prementes sobre a abstinência de antidepressivos sejam respondidas em breve.

Um estudo da Universidade McMaster na Nova Zelândia concluiu recentemente o primeiro teste rigoroso e de longo prazo sobre o assunto.

A equipe recrutou mais de 250 pessoas em três cidades que vinham tomando Prozac por um longo período e estavam interessadas em diminuir a dose. Dois terços do grupo estavam usando a medicação há mais de dois anos e um terço há mais de cinco anos.

A equipe dividiu os participantes aleatoriamente em dois grupos: metade passou a receber uma cápsula por dia que, durante um período de um mês ou mais, continha quantidades progressivamente menores do fármaco ativo, e a outra metade continuou a receber sua dosagem regular enquanto pensava que a estava diminuindo.

Os pesquisadores acompanharam os dois grupos por um ano e meio. Enquanto ainda estão trabalhando nos dados, uma coisa já ficou clara: os sintomas de abstinência vistos eram tão graves que alguns pacientes não suportaram parar de tomar o medicamento.

Mesmo com uma redução lenta de um remédio com uma meia-vida relativamente longa, essas pessoas tiveram reações tão significativas a ponto de atrapalhar suas vidas diárias e precisarem reiniciar a droga.


Esperando pelo socorro

Por enquanto, as pessoas que não são capazes de parar de tomar tais medicamentos apenas seguindo o conselho médico estão recorrendo a um método chamado microdosagem: elas fazem pequenas reduções de suas doses por um longo período de tempo, muitas vezes meses ou anos, a fim de diminuir aos poucos os sintomas de abstinência.

Com uma quantidade grande de pacientes passando pelo mesmo problema no mundo todo, a esperança é de que os governos finalmente assumam o problema e financiem mais estudos como o último neozelandês, a fim de chegarmos a boas soluções para a descontinuação de antidepressivos. [NYTimes, Abril, DV]

por Natasha Romanzoti
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