sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Parasita da malária nas Américas é mais diverso do que se imaginava

Pesquisadores descobrem que populações americanas de Plasmodium vivax são tão diversas geneticamente quanto no Sudeste da Ásia, onde a transmissão da doença é mais intensa ( imagem: CDC/ Steven Glenn )

Agência FAPESP – As populações americanas de um dos principais parasitas causadores da malária, Plasmodium vivax, são tão diversas geneticamente quanto as encontradas no Sudeste Asiático, onde a transmissão da malária é muito mais intensa.

Como o plasmódio humano mais comum, o Plasmodium falciparum, apresenta baixa diversidade genética nas Américas quando comparado com outras regiões, achava-se que o mesmo ocorreria com o P. vivax. Mas não foi o que mostrou um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com colegas do Rio de Janeiro, Uruguai e Reino Unido. Os resultados foram publicados na revista PLOS Neglected Tropical Diseases.

“Descobrir que as populações de P. vivax nas Américas são mais diversas do que as do Plasmodium falciparum foi surpreendente. Se aceitarmos a hipótese de que tanto o P. falciparum como o P. vivax chegaram às Américas após a colonização europeia, a expectativa seria encontrar níveis de diversidade genética relativamente semelhantes nas duas espécies, que teriam passado por um intenso gargalo populacional durante a sua ‘migração’ para o Novo Mundo. Mas não é isso o que ocorre”, disse o coordenador da pesquisa, Marcelo Urbano Ferreira, professor do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

Ao chegar ao continente americano, o P. vivax parece ter retido muito mais da diversidade preexistente (que havia na África, por exemplo) do que o P. falciparum.

“Uma explicação possível é que as populações de P. vivax que chegaram às Américas tiveram uma origem geográfica mais ampla, incluindo África, Europa e talvez Ásia, do que as populações de P. falciparum que recebemos, que são predominantemente africanas, mas isso ainda precisa ser demonstrado”, disse Urbano Ferreira.

O estudo foi feito a partir da análise de nove genomas do parasita P. vivax coletados no noroeste do Brasil, país que responde por 37% dos casos de malária no continente americano. Os nove sequenciamentos foram comparados às sequências existentes de outros 84 parasitas coletados no Brasil e em outros países.

A diversidade genética da população de P. vivax no Brasil se mostrou semelhante às do Camboja e da Tailândia, países do Sudeste Asiático em que a transmissão de malária é, em média, mais elevada do que no Brasil.

O trabalho incluiu a coleta de amostras de sangue nas localidades de Acrelândia, no leste do Acre, e Remansinho, no sul do Amazonas, próximas às fronteiras com o Peru e a Bolívia. Nas amostras de nove adultos foi constatada a presença de P. vivax.

A partir das amostras, os protozoários foram separados, seu DNA isolado e parcialmente sequenciado. A esses dados foram acrescentadas no universo de amostragem sequências nucleares genômicas de outras 75 amostras preexistentes de parasitas provenientes do Brasil (2), Peru (23), Colômbia (31) e México (19), obtidas em bancos internacionais de genes.

Todo esse material nuclear foi comparado à procura de marcadores de diferenciação (no caso, polimorfismos de nucleotídeo simples, ou SNPs) capazes de estabelecer a diversidade entre os protozoários amostrados.

O estudo apontou que a diversidade genética encontrada na população de P. vivax no Brasil é similar à encontrada em outros países das Américas.

O estudo do genoma nuclear de P. vivax foi feito com três populações americanas. “Por enquanto, temos dados genômicos de parasitos de somente quatro países das Américas. Mesmo em cada país, não temos uma amostragem ampla. Certamente há um grande número de linhagens circulando nas Américas, muito além de três, mas por causa da intensa recombinação genética a que a maioria delas está exposta essas linhagens não são estáveis. A recombinação genética logo gera novas variantes ‘recombinantes’ que circulam no continente. Muito provavelmente, não temos linhagens clonais sendo transmitidas ao longo de várias gerações de parasitos”, disse Urbano Ferreira.

O estudo da diversidade genética de P. vivax nas Américas busca pistas sobre a origem da diversas linhagens, ou populações, americanas.

“É uma pesquisa em andamento. Por enquanto, os dados disponíveis [tanto nossos como de outros grupos de pesquisa] sugerem que as Américas receberam populações de P. vivax tanto da África como da Europa e Ásia. Há também a possibilidade de uma contribuição da Oceania, a ser ainda confirmada. Os genomas mitocondriais são muito úteis nesses estudos, mas certamente precisamos de mais genomas nucleares completos para fazer inferências mais definitivas”, disse Urbano Ferreira.

Linhagens muito antigas podem ter chegado às Américas e, dependendo da magnitude da migração (quantos indivíduos migraram), podem ter perdido pouca diversidade nesse trajeto.

Entre as possíveis regiões de origem do plasmódio, há linhagens que podem ter sido trazidas ao Brasil por imigrantes italianos e espanhóis no século 19, onde a malária era endêmica até meados do século 20.

“A diversidade de P. vivax no Brasil é grande, dado o histórico de mais de 300 anos de tráfico negreiro, uma das fontes de entrada do parasita no país. Mas no Brasil houve muitas entradas em tempos diferentes, como quando do início da chegada dos imigrantes no século 19”, disse Thaís Crippa de Oliveira, doutoranda no ICB-USP e primeira autora do artigo publicado na PLOS Neglected Tropical Diseases.

Segundo Ferreira, seria simplista supor que, necessariamente, toda a diversidade atual nas populações de plasmódios das Américas tenha sido gerada nos últimos 500 anos. Isso só seria verificado caso a migração envolvesse um “efeito do fundador” – ou seja, se somente uma ou pouquíssimas linhagens tivessem chegado aqui e se todos os plasmódios atualmente existentes no continente fossem descendentes dessas primeiras linhagens.

Os pesquisadores estão trabalhando atualmente com uma nova amostra de plasmódios, colhidos por Oliveira em uma única comunidade ao longo de 12 meses de estudo.

A análise dos genomas completos desses parasitos permitirá avaliar os níveis de variação genética de populações de P. vivax ao longo do tempo e inferir alguns mecanismos – por exemplo, migração e recombinação – que contribuem para essa variação.

O artigo Genome-wide diversity and differentiation in New World populations of the human malaria parasite Plasmodium vivax, de Thais C. de Oliveira, Priscila T. Rodrigues, Maria José Menezes, Raquel M. Gonçalves-Lopes, Melissa S. Bastos, Nathália F. Lima, Susana Barbosa, Alexandra L. Gerber, Guilherme Loss de Morais, Luisa Berná, Jody Phelan, Carlos Robello, Ana Tereza R. de Vasconcelos, João Marcelo P. Alves e Marcelo U. Ferreira, pode ser lido em https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0005824.

fonte
por Peter Moon
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