terça-feira, 21 de outubro de 2008

Veneno disfarçado de alimento

Por Giuliana Reginatto
São Paulo, 20 (AE) -

Atualizado em 21 de novembro
Comer frutas, legumes e verduras. O mantra da alimentação natural, protegido pela fama de saudável, pode esconder inimigos mais perigosos que calorias em excesso. A dupla alface com tomate, por exemplo, é inofensiva ao regime mas está entre os alimentos com o maior risco de exposição a agrotóxicos - o mesmo vale para o morango, outro queridinho das dietas.

"De acordo com os resultados da Anvisa para 2007, o percentual de amostras insatisfatórias entre as alfaces foi de 40%, índice que chega a 44,7% entre os tomates. Nos dois casos isso se deu pelo uso de agrotóxicos não-autorizados", explica o biólogo Frederico Perez, doutor em saúde pública e pesquisador da Fiocruz.

Peres lembra que os níveis elevados de amostras insatisfatórias entre os morangos têm sido observados desde 2002. "Nos morangos foram encontrados resíduos de cinco tipos de agrotóxicos autorizados, mas eles estavam acima do Limite Máximo de Resíduo (LMR) preconizado pela OMS", detalha.

Tomates e morangos são espécies sensíveis, muito suscetíveis ao ataque das pragas, o que explica o uso intensivo de pesticidas. "Após aplicar um pesticida é preciso respeitar o prazo de carência para consumir o alimento. Como fazer isso no tomateiro, em que há frutos em diversos estágios, de verdes a maduros? Se o agricultor esperar a carência para colher, grande parte irá se perder", diz o ecólogo José Maria Gusman Ferraz, pesquisador do Embrapa Meio Ambiente, com pós-doutorado em agroecologia.

Se cultivar tomates pelo método tradicional já é um processo complicado, garantir sua produção sem pesticidas que combatam as pragas, como pede a cartilha dos alimentos orgânicos, pode aumentar as perdas e tornar o alimento caro demais. Na Capital o quilo de tomate orgânico chega a custar mais de R$ 13 - ante R$ 1,18 do tipo tradicional, como indica uma pesquisa aplicada pelo Pro teste: Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. Para quem pode pagar, o valor compensa: entre as amostras estudadas pelo órgão, colhidas em dez estabelecimentos da Cidade, só os produtos orgânicos apresentaram ausência de resíduos de agrotóxicos.

Foram submetidos à análise do Pro teste, além de tomates, também morangos, maçãs e limões. Em mais de um quarto dos hortifrútis havia resíduos de agrotóxicos. "Quase metade dos resíduos detectados vem de pesticidas não-autorizados pela lei brasileira", comenta a bióloga Fernanda Ribeiro, pesquisadora de alimentos do Pro Teste e coordenadora da pesquisa. "O resultado foi melhor do que o esperado, mas isso se dá porque a legislação brasileira é muito permissiva. O LMR, que quando respeitado não deveria provocar danos à saúde, é subjetivo porque tem um caráter geral, desconsiderando populações frágeis, como as crianças."

O pesquisador do Embrapa argumenta que agrotóxicos mal administrados, além de agredirem a saúde, podem atacar a natureza. "Agrotóxicos também contaminam a água. Calcula-se que os EUA, campeões no consumo mundial de agrotóxicos, tenham gastado cerca de R$ 8 bilhões em um ano por conta de problemas ambientais ligados a essas substâncias. O Brasil, que se alterna com o Japão no segundo lugar do ranking, também vai pagar a conta."

Segundo Ferraz, o uso de agrotóxicos é atraente por facilitar o cultivo fora de época . "No passado se comia morango no frio, manga no fim do ano. Hoje se encontra de tudo o ano todo. O problema é que entre os nutrientes aplicados nas culturas está o nitrogênio, que se degrada em nitrito e nitrato, substâncias cancerígenas. Como são elementos solúveis, absorvidos pela planta, o agrotóxico se torna sistêmico, penetra na estrutura. Neste caso, usar vinagre como anti-séptico, por exemplo, mata só fungos, bactérias e vermes superficiais, mas não tem efeito contra resíduos. A saída é procurar o selo de procedência do alimento no mercado ou recorrer a orgânicos. Você gasta mais com eles, mas poderia gastar mais na farmácia."

Na opinião de Sérgio Graff, toxicologista da disciplina clínica médica da Unifesp, as pesquisas não justificam a mudança de hábitos alimentares. "Há confusão entre resíduo de agrotóxico e contaminação por agrotóxico. O LMR é calculado com grande margem de segurança: após testes em animais é estabelecida uma dose 100 vezes mais fraca para o homem. Isso significa que ao ingerirmos essa quantidade limite de resíduos na fruta durante a vida toda não teríamos, teoricamente, problemas. Pode ser, porém, que em alguns anos vejamos que não é bem assim."

Graff explica que os agrotóxicos permitidos no Brasil "teoricamente não podem ter indícios de ação cancerígena". Na opinião dele, faltam estudos para estabelecer relações mais precisas entre pesticidas e problemas de saúde. "As pessoas estão expostas a outros tipos de produtos químicos nocivos, como os derivados de petróleo", argumenta o médico. Sob o ponto de vista do professor doutor Angelo Trapé, coordenador de saúde ambiental da Unicamp, as irregularidades nos hortifrútis paulistanos não ameaçam a saúde. "Fica a impressão de que a pessoa está comprando um alimento contaminado.

Isso é uma perversidade porque só a classe A tem acesso a orgânicos, vendidos a preços exorbitantes pelos mercados. O que falta é uma política pública eficiente que ensine o pequeno agricultor a usar corretamente o pesticida, falta acesso à tecnologia e fiscalização mais adequada", analisa Trapé.

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