Atenção.Uma simples ida à farmácia para comprar remédios que prometem acabar com aquela 'dorzinha' chata pode provocar uma séria intoxicação e até levar à morte. Saiba como evitar as misturas erradas entre os fármacos mais comuns para proteger a sua saúde
POR AGUINALDO PETTINATI
Aconteceu recentemente com o ator australiano Heath Ledger, de 28 anos. Após abusar de medicamentos prescritos, o cowboy loiro do filme O segredo de Brokeback mountain (2005) faleceu por intoxicação aguda provocada pelo efeito combinado de oxicodona, hidrocodona, diazepam, temazepam, alprazolam e doxilamina – uma mistura fatal de analgésicos, tranqüilizantes e antialérgico.
Ledger tomou de uma só vez os analgésicos oxicodona (comercializada sob o nome OxyContin) e hidrocodona (o Vicodin), que, consumidos em excesso, baixam o ritmo cardíaco e a respiração e podem levar à morte. Ingeriu, ainda, os tranqüilizantes diazepam (conhecido comercialmente como Valium), temazepam (o Restoril) e alprazolam (o Xanax), junto com o antialérgico doxilamina, que teria efeitos sedativos.
Automedicação ou autoprescrição?Assim como o ator, qualquer pessoa que toma remédios regularmente está sujeita a fazer uma má combinação entre os princípios ativos das drogas, situação que pode causar intoxicação ou até mesmo levar à morte. Os efeitos secundários e perigosos gerados pela superdosagem de medicamentos começam com a automedicação e se agravam com a autoprescrição.
Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Abifarma), cerca de 80 milhões de pessoas no País são adeptas da automedicação. A escolha de medicamentos, em 51% dos casos, é baseada na recomendação de pessoas leigas e, em 40%, na influência de prescrições anteriores. Por essa razão, é preciso entender as diferenças entre a automedicação e a autoprescrição. Na automedicação, a pessoa já sabe de qual doença sofre, conhece os sintomas e consome o remédio que já usou antes e vem dando resultado. “Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a automedicação responsável é uma prática desejável e diminui a sobrecarga do sistema público de saúde”, diz o médico Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) do Hospital das Clínicas de São Paulo. Já na autoprescrição, a pessoa usa remédios indicados por leigos, sem conhecer a doença. “Até 70% da população brasileira pratica a autoprescrição em algum momento da vida. A regra é simples: evite ao máximo qualquer medicamento e sempre procure um médico”, frisa Wong.
ATÉ 70% DA POPULAÇÃO BRASILEIRA USA REMÉDIOS INDICADOS POR LEIGOS, SEM CONHECER A DOENÇA
MATEMÁTICA DAS COMBINAÇÕES
* ANTICOAGULANTE + ALIMENTOS COM VITAMINA K (BRÓCOLIS) = reduz o efeito do remédio
* REMÉDIO PARA BAIXAR PRESSÃO (ATENOL, PROPANOLOL) + SUCO DE LARANJA = reduz em até 49% a eficácia do medicamento
*ANTICONCEPCIONAL + CIGARRO = aumenta o risco de AVC e embolia
* MEDICAMENTOS + ÁLCOOL= aumenta a eliminação do antibiótico e potencializa a ação de depressores do sistema nervoso central, como antialérgicos e antidepressivos e ansiolíticos
* INSULINA + ÁLCOOL = o álcool aumenta a ação hipoglicemiante da insulina
* REMÉDIOS PARA DISFUNÇÃO ERÉTIL + NITRATOS (PARA COMBATER ANGINA DO PEITO) = baixa abruptamente a pressão sangüínea
*ANSIOLÍTICOS, HIPNÓTICOS E SEDATIVOS + ÁLCOOL = potencializa o efeito depressor do sistema nervoso central, podendo ocorrer depressão respiratória, hipotermia e falência cardiovascular
Associações arriscadasNão há dúvida de que o organismo humano sofre com o uso de medicamentos variados ingeridos ao mesmo tempo ou em grandes doses. “Interações medicamentosas são alterações nos efeitos de um medicamento em razão da ingestão simultânea de outro medicamento”, explica Paulo Olzon Monteiro da Silva, chefe da disciplina Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Essas “combinações” intensificam ou diminuem a atuação de um medicamento ou agravam seus efeitos colaterais. O mais grave é que as interações medicamentosas não envolvem só as drogas que precisam obrigatoriamente de receita médica. “Também ocorrem com medicamentos de venda livre (aspirina, antiácidos e descongestionantes)”, afirma Sérgio Grassi, pediatra e toxicologista da Unifesp. Esse dado chama atenção se considerarmos o fato de que 37% dos brasileiros com dor de cabeça utilizam medicamentos errados, mas facilmente encontrados nas farmácias.
Cuidado com os mais comuns* Antiinflamatórios e aspirinas
O uso prolongado dos antiinflamatórios não-hormonais provoca sangramentos intestinais, úlceras e gastrite. Com a combinação de antidepressivo, é liberada serotonina (neurotransmissor que provoca a sensação de bem-estar e sua falta pode levar a pessoa à depressão, por exemplo) e há aumento na chance do sangramento gastrointestinal. “Dipirona e aspirina podem provocar a diminuição de glóbulos vermelhos, plaquetas e glóbulos brancos”, alerta Monteiro da Silva. De acordo com o médico, o uso de aspirina uma vez ou outra não causa danos à saúde, mas o consumo contínuo pode mascarar uma doença grave e postergar o diagnóstico.
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INTOXICAÇÕES TAMBÉM OCORREM
COM MEDICAMENTOS DE VENDA LIVRE COMO ASPIRINAS
* Antibióticos, antiácidos e anticoncepcionais
A ingestão de antibióticos também requer cautela. “Para os processos virais não são usados antibióticos. Não pense que qualquer febre já é um sinal de infecção. Além dos efeitos colaterais, o organismo cria resistência aos remédios e as infecções ficam mais fortes”, avisa Monteiro da Silva. Até antiácidos que contêm alumínio, magnésio e cálcio, quando associados a antibióticos (tetraciclinas) têm seus efeitos reduzidos. Antibióticos ou antifúngicos de via oral associados a remédios para colesterol no sangue eleva o risco de danos nos rins. “Uma dica é repetir o uso do mesmo antibiótico apenas com indicação do médico”, diz o especialista. Os antibióticos influem até no funcionamento dos anticoncepcionais orais porque aceleram o metabolismo hepático, reduzindo as concentrações hormonais, e levam à perda de eficácia das pílulas.
* Antiinflamatório, antidepressivos e coração
Os antiinflamatórios atuam sobre os rins e diminuem a quantidade de líquido no organismo. “A retenção de líquido e sal no organismo pode ser fatal para quem sofre do coração. Gera o aumento da pressão arterial”, adverte Monteiro da Silva. A mesma situação se dá com quem tem problemas cardíacos e usam antidepressivos.
Em caso de gripe, o toxicologista Grassi alerta para o consumo de uma possível superdosagem. “Ingerir um antigripal e um analgésico pode causar problemas porque ambos contêm paracetamol. Assim, há risco de superdosagem e intoxicação”, avalia. Na gripe, o médico recomenda: “Calmantes e remédios para dormir misturados com antigripais e antialérgicos têm os efeitos dos depressores potencializados”.
* Gotinhas perigosas
Atenção na hora de misturar colírios com os desentupidores nasais. “Ambos possuem o princípio ativo (nafazolina) e agem como vasoconstritores para diminuir a vermelhidão dos olhos e combater a obstrução nasal. Em crianças isso pode ser fatal”, aponta o toxicologista Grassi. A medicação age no sistema circulatório, contraindo as veias e obrigando o coração a bater mais rápido para bombear o sangue a outras partes do corpo, fazendo com que os vasos vermelhos desapareçam. Por isso, nunca se deve usar nenhum desses remédios sem antes consultar um médico. Em levantamento no Hospital das Clínicas de São Paulo, 40% dos pacientes com problemas nos olhos usaram fórmulas caseiras antes de procurar o médico – água com sal ou açúcar, flores e até leite materno.
O uso indiscriminado dos descongestionantes nasais causaria taquicardia e hipertensão arterial, além de desenvolver doenças cardíacas ou rinite medicamentosa. Pessoas com hipertensão severa, retenção urinária, pacientes que usam antidepressivos ou têm glaucoma devem evitar o uso. Combinar remédio para enjôo e descongestionante nasal pode elevar a freqüência cardíaca e gerar parada.
SUA SEGURANÇA
A SEIS PASSOS
1 – Informe ao seu médico todos os medicamentos que está tomando. Inclua na lista vitaminas, suplementos e ervas.
2 – A qualquer nova prescrição, verifique se continuará ou não consumindo os medicamentos anteriores. Leia a bula dos remédios para se prevenir.
3 – Caso sinta qualquer sintoma inesperado, consulte o médico. Dores de cabeça ou erupções na pele indicam uma interação.
4 – Nas crianças, o metabolismo só se completa em torno dos sete anos. Por isso, não basta reduzir as doses dos adultos para as crianças. Nesse caso, só o médico é capaz de determinar a medicação e dosagens corretas.
5 – Nos idosos, o metabolismo e a função renal estão diminuídos, sendo necessário reduzir a dosagem ou aumentar o intervalo entre as doses.
6 - Não parta cápsulas ao meio porque elas são projetadas para passar pelo estômago e agir só no intestino. O ph ácido da região estomacal leva à perda da eficácia do medicamento. O mesmo acontece quando colocamos o comprimido embaixo da língua.
ATENÇÃO AOS FITOTERÁPICOS
Remédios naturais não são placebo, como muitos acreditam, pois possuem princípio ativo e geram a interação. “Precisam ser receitados por um médico, mas muitas vezes são adquiridos como se não fizessem mal à saúde”, aponta o toxicologista Sérgio Grassi. “A fitomedicina pode sim influenciar negativamente no tratamento alopático. Erva-de-são-joão, por exemplo, diminui de 30% a 40% do efeito dos remédios contra a aids”, explica o médico Anthony Wong. “O passiflora, uma espécie de trepadeira, cujo fruto é o maracujá, associado a diazepínicos, tranqüilizantes e hipnóticos, aprofunda o sono”. A matemática das combinações é tão complexa que até a alimentação influencia em certas medicações. “O leite diminui a absorção de antibiótico”, revela Wong.
* Corticóides
Os corticóides controlam a alergia ao inibir a ação do sistema imunológico do paciente. “Por isso alguns medicamentos exigem prescrição médica, mas outros antialérgicos, não”, afirma Grassi. O uso indiscriminado de corticóides pode gerar a síndrome de Cushing, cujas características são o rosto arredondado, tendência à obesidade e retenção de líquidos. O indivíduo também está propício a desenvolver hipertensão, fraqueza, depressão, acne, excesso e crescimento de pêlos. E infecções por fungo ou bactérias agravam-se com a superingestão de corticóide porque eles inibem as defesas do organismo.
* Glaucoma
“Colírios antibióticos desequilibram a flora normal da superfície ocular, predispondo ao aparecimento de infecções graves com microrganismos resistentes. O uso de corticosteróides pode desencadear catarata e glaucoma. Os colírios anestésicos lesam a córnea, desencadeando úlceras e inflamações”, alerta Denise de Freitas, médica do departamento de Oftalmologia da Unifesp.
Pingar soluções caseiras como água com sal ou açúcar, segundo a médica, agrava o quadro, não somente por adiar o tratamento correto, mas porque transmite uma infecção ou gera queimadura nos olhos. “Um paciente que pingava limão nos olhos contra conjuntivite precisou de transplante de córnea. Vários outros chegam ao meu consultório praticamente cegos, por uso inadvertido de colírios”.
REVISTA VIVA SAÚDE