segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um dos mais conhecidos estudiosos do envelhecimento, o cientista inglês diz que o ser humano poderá viver mil anos

O profeta da imortalidade
Fonte: Isto é

Por Cilene Pereira

Foto: shutterstock
POLÊMICO Grey diz que os bebês de hoje serão os primeiros beneficiados por novos tratamentos

Nas contas do pesquisador inglês Aubrey de Grey, 46 anos, muitas das crianças que estão nascendo neste momento ao redor do mundo serão as primeiras protagonistas de uma revolução na história humana: elas poderão viver pelo menos mil anos. Segundo Grey, isso será possível com o desenvolvimento e aplicação, já nos próximos 25 anos, de tratamentos capazes de evitar ou corrigir os principais mecanismos celulares que levam a doenças associadas ao envelhecimento - mal de Parkinson e de Alzheimer entre elas. "Faremos a manutenção do corpo de uma forma tão eficaz que impediremos o surgimento dessas enfermidades", diz.

Chamado de o profeta da imortalidade, Grey é um dos mais conhecidos estudiosos do envelhecimento. Também é dos mais controversos - defende, por exemplo, que envelhecer é um processo evitável, a exemplo de várias doenças. Antes da paixão pelo tema, despertada pelo casamento com a bióloga Adelaide Carpenter, há 20 anos, o pesquisador era um gênio das ciências da computação.

Dono de um visual excêntrico - mantido até hoje com sua longa barba e bigode à la Rasputin -, ele conduziu durante 14 anos suas experiências na prestigiada Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Hoje, está à frente de sua própria fundação - a Methuselah, ou Matusalém em português, numa alusão ao longevo personagem bíblico. A entidade é dedicada a premiar projetos antienvelhecimento e à pesquisa de novas estratégias contra esse processo. De Cambridge, onde mora, Grey concedeu a seguinte entrevista à ISTOÉ.

ISTOÉ - Por que o sr. afirma que o envelhecimento é uma condição evitável?
Aubrey de Grey - O processo de envelhecer, assim como as doenças, é um alvo legítimo que pode ser atacado pelas intervenções médicas.

Ele é uma mudança na estrutura do corpo humano - a mesma coisa que acontece em uma enfermidade. Se o objetivo da medicina é recolocar o corpo no estado anterior à mudança - e ela faz isso -, a mesma estratégia pode ser adotada em relação ao envelhecimento.

ISTOÉ - De que maneira ele pode ser evitado?
Grey - Por meio de um trabalho contínuo de reparo e manutenção: removendo precocemente os primeiros sinais de envelhecimento do corpo antes que eles se acumulem tanto a ponto de causar prejuízos ao organismo. É a mesma coisa que se faz para manter um carro clássico ou uma casa em boas condições. Sabemos que não há limite para isso. Eles podem durar quanto quisermos. Seremos capazes de fazer a manutenção do corpo de uma forma tão eficaz que nos permitirá evitar indefinidamente as doenças que costumam aparecer com o passar do tempo.

ISTOÉ - Quais as principais causas do envelhecimento a serem monitoradas e combatidas? Grey - Defini sete razões. A primeira delas é que, com o transcorrer dos anos, as células vão perdendo sua capacidade de se renovar. Por causa disso, há uma diminuição de sua quantidade, com repercussões importantes como a perda de massa óssea.

Foto: shutterstock
"O processo de envelhecer, assim como as doenças, é um alvo legítimo que pode ser atacado pelas intervenções médicas"

Em seguida, há a questão da intoxicação interna. Devido ao envelhecimento, as células não conseguem se dividir corretamente e, quando morrem, liberam substâncias tóxicas. Mutações ocorridas no núcleo das células são outra causa, fazendo com que essas estruturas proliferem irregularmente. Além disso, existe o problema de mudanças genéticas nas mitocôndrias (estrutura da célula responsável pelo fornecimento de energia). Pontuo ainda a existência do que chamo de lixo nas células, caracterizado pelo acúmulo de substâncias resultantes de reações químicas, e o lixo externo, quando as células jogam fora proteínas que deveriam ficar lá dentro. Por fim, há a ocorrência das proteínas irregulares. São moléculas que tomam uma forma errada e acabam se grudando umas nas outras, atrapalhando o funcionamento, por exemplo, dos vasos sanguíneos.

ISTOÉ - Como o sr. chegou à conclusão da existência dessas sete causas?
Grey - Percebi que o melhor jeito de entender o envelhecimento não era estudar as pessoas mais velhas, mas analisar as diferenças no corpo acumuladas durante a vida. Se um indivíduo de 45 anos tem exatamente as mesmas moléculas e células de um com 25 anos, eles deveriam ter a mesma expectativa de vida. Perguntei a mim mesmo que tipo de mudanças celulares e moleculares ocorrem com o passar do tempo. E as respostas já eram conhecidas. Apenas a maioria dos gerontologistas não tinha visto o problema por esse aspecto.

ISTOÉ - Qual o papel de cada uma dessas causas?
Grey - A maioria tem consequências específicas. Mas elas se combinam e contribuem, de maneira complexa, para o surgimento de doenças.

ISTOÉ - De que forma a ciência poderia controlar esses mecanismos?
Grey - Todos os tratamentos efetivos para esses problemas terão como objetivo revertê-los ou acabar com as suas consequências. Quando as células perderem suas funções, nós as substituiremos usando células-tronco.

Quando houver muitas células proliferando de modo irregular, vamos remover as excedentes usando terapia genética ou vacinas. Se o problema for o acúmulo de toxinas dentro das células, podemos tirá-las utilizando enzimas ou vacinas. Em relação às mutações, podemos prevenir seus efeitos por meio da inserção de genes modificados novos, sadios, ou induzindo à morte as células com as mutações. Esta última estratégia envolve terapia genética e uso de células- tronco. Quando tivermos todos esses recursos, não ficaremos mais frágeis, decrépitos e dependentes com o passar dos anos.

ISTOÉ - Com tudo isso, poderemos viver pelo menos mil anos?
Grey - Sim, sem dúvida. Esta é a minha convicção.

ISTOÉ - O sr. acredita que a primeira pessoa que viverá tudo isso já nasceu?
Grey - Existe 80% de chance de isso ser verdade. Creio que há 50% de possibilidade de as terapias necessárias para atingir tal longevidade estarem disponíveis dentro de 25 anos.

ISTOÉ - Quais seriam as principais?
Grey - Células-tronco e terapia genética.

ISTOÉ - Pelo seu raciocínio, o ser humano poderia se tornar imortal? Grey - Não. Continuaremos morrendo por causa de acidentes, violência ou uma nova variante do Influenza (vírus causador da gripe), por exemplo.

ISTOÉ - Será mesmo tão bom para a humanidade viver tanto?
Grey - Com certeza. É certo que haverá novos desafios, como a Revolução Industrial criou novas situações. O que temos de ter em mente é que é muito ruim para a humanidade saber que todos ficarão frágeis e doentes com o passar do tempo.

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"Quando as células perderem suas funções, nós as substituiremos usando células-tronco. Elas serão essenciais para se viver mais"

ISTOÉ - Não pode ser entediante viver tanto?
Grey - Não. Quando você fica com tédio hoje, procura fazer alguma coisa contra isso - vai aprender algo novo, por exemplo. Penso que as pessoas terão muitas e diversas carreiras, alternando períodos ociosos e de trabalho, treinamento. Haverá uma dinâmica maior. Isto já está acontecendo hoje.

ISTOÉ - Como obter recursos para sustentar uma superpopulação?
Grey - Será um desafio. Decidiremos ter menos filhos ou limitaremos o uso das terapias antienvelhecimento. Mas será uma escolha que a humanidade do futuro terá de fazer por si mesma. Nós, agora, temos o dever de criar as terapias para que o ser humano possa fazer essa escolha.

ISTOÉ - E para as religiões, para as quais a morte e todos os aspectos que a envolvem são tão centrais?
Grey - Não haveria efeito neste tema porque as pessoas continuarão a morrer, apenas não nas idades previsíveis atualmente.

ISTOÉ - Ter menos medo da morte pode provocar alguma mudança no comportamento humano? Grey - O medo da morte por causa de acidentes se tornará maior. Então, iremos tornar as atividades de risco menos perigosas, fabricando carros mais seguros, por exemplo.

ISTOÉ - Como seria a qualidade de vida das pessoas depois de tanto tempo?
Grey - A mesma experimentada por adultos hoje. Mas sem o stress de ter de tomar conta de pais doentes.

ISTOÉ - O sr. está casado há 20 anos. Consegue imaginar como seria viver com sua esposa por mais 980 anos?
Grey - Não. Acredito que nossa vida tem de correr livremente, o que é bom. Não penso sobre o futuro distante. Eu apenas espero ser capaz de pensar, raciocinar, quando ele chegar.

ISTOÉ - E em relação ao trabalho? Japoneses, por exemplo, costumam trabalhar a vida toda em uma mesma empresa. Como seria isso, considerando uma vida de mil anos? Não vai enjoar?
Grey - Não creio que seria um problema. Tenho certeza de que a longevidade vai encorajar as pessoas a mudar de carreira depois de algumas décadas.

ISTOÉ - Os recursos que o sr. cita contra o envelhecimento são hoje muito caros. As tecnologias poderão ser usufruídas por todos?
Grey - Todos terão acesso a esses tratamentos, mesmo se não tiverem dinheiro. A razão é que eles serão um bom investimento para os países e para o mundo todo. Pessoas doentes são incrivelmente caras para os governos. Será economicamente preferível primeiro impedir que os cidadãos fiquem com sua saúde fragilizada Dessa maneira, eles também poderão continuar trabalhando para manter a riqueza da sociedade.

ISTOÉ - Há quatro anos o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, lançou um desafio à comunidade científica, oferecendo um prêmio em dinheiro a quem provasse que suas ideias estavam erradas. Ninguém apareceu para contestá-lo. O que achou disso?
Grey - O propósito do desafio foi mostrar ao público e aos outros cientistas que as pessoas que atacavam meu trabalho não tinham boa base científica para fazer isso com segurança. E foi o que ficou provado.

ISTOÉ - De onde vem o dinheiro para seu trabalho?
Grey - Ele vem da filantropia feita por indivíduos interessados nos avanços nesta área. Trabalhava na Universidade de Cambridge, mas saí depois que minha fundação conseguiu verba suficiente para me pagar. Não temos dinheiro público. Mas vejo os governos investindo em pontos importantes, como as pesquisas com as célulastronco, essenciais para se viver mais.

ISTOÉ - O que o sr. acha de ser chamado de "o profeta da imortalidade"?
Grey - Não deixo isso me chatear.

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