Você já deve conhecer medicamentos antidepressivos populares como Zoloft ou Prozac. Pesquisas mostraram que estes fármacos podem funcionar em alguns pacientes, mas não em todos.
Isso, em parte, se deve ao fato de que eles agem baseados em uma teoria para explicar a depressão antiquada chamada de “teoria do desequilíbrio químico”, que é incompleta, na melhor das hipóteses.
Os pesquisadores e cientistas agora sabem que a depressão simplesmente não pode ser atribuída somente aos baixos níveis de serotonina no cérebro.
Doenças mentais e tratamento farmacêutico
Antes de entrarmos na questão da depressão, é preciso contextualizar como medicamentos para doenças mentais começaram a ser fabricados.
Na década de 1950, a psiquiatria era um campo em transição. Acreditava-se que as doenças mentais eram o resultado direto da circunstância social e muitos médicos contavam apenas com a terapia da conversa para tratar seus pacientes. As poucas terapias medicamentosas que existiam eram raramente adequadas para o tratamento de determinadas doenças. Morfina e ópio foram por vezes utilizados para tratar a depressão, enquanto a terapia de choque com insulina foi usada em pacientes esquizofrênicos não cooperativos para colocá-los em coma.
Até o final da década de 1950, clorpromazina, um novo medicamento psiquiátrico, tornou-se o tratamento de escolha para a esquizofrenia. Clorpromazina simplificou o problema de manter pacientes agressivos calmos e dóceis, ao evitar a necessidade do coma.
Durante os anos 1960, os pesquisadores confirmaram que neurotransmissores, como a dopamina ou serotonina, serviam como sinais químicos que permitiam que os neurônios se comunicassem, o que sustenta grande parte da função do cérebro. Logo, os cientistas descobriram que a clorpromazina inibia os receptores de dopamina nos ratos, bloqueando os efeitos normais da substância e, potencialmente, explicando os seus efeitos sedativos em seres humanos.
Manipulação química de neurotransmissores
Drogas similares foram então desenvolvidas na premissa de que a dopamina excessiva no cérebro poderia ser responsável por alguns aspectos da esquizofrenia. Estes fármacos demonstraram rapidamente que a manipulação química de neurotransmissores poderia ser eficaz no tratamento de perturbações mentais.
Pulando para meados do século 20, os pesquisadores começaram a ficar ansiosos para desenvolver terapias de droga para transtornos mentais mais comuns, como a depressão. Haviam relatos de alterações de humor em pacientes que tomavam vários medicamentos para doenças não psiquiátricas. Iproniazida, usada para tratar a tuberculose, parecia melhorar o humor dos pacientes, enquanto a reserpina, originalmente usada para controlar a pressão arterial alta, parecia imitar a depressão.
Efeitos documentados da clorpromazina sobre os receptores de dopamina levantaram a possibilidade de que a iproniazida e a reserpina poderiam influenciar o humor através de seus efeitos sobre neurotransmissores. E este pareceu mesmo ser o caso. Iproniazida aumentava os níveis de serotonina no cérebro, enquanto a reserpina diminuía esses mesmos níveis.
Isso tudo sugeria que baixos níveis de serotonina podiam ser os responsáveis por sintomas de depressão, e que aumentar esses níveis poderia aliviar esses sintomas. Em outras palavras, os estudos indicavam que a depressão podia ser devida a um desequilíbrio químico no cérebro, e que este desequilíbrio poderia ser corrigido através da utilização específica de fármacos adequados.
Causa x efeito
Com base em estudos com roedores, os pesquisadores poderiam razoavelmente supor que as drogas aumentavam seus níveis de serotonina. O que eles não podiam assumir era que um aumento nos níveis de serotonina seria um benefício para as pessoas que sofriam de depressão.
E, no entanto, pelo menos para alguns pacientes, os efeitos terapêuticos dessas drogas eram inegáveis.
Mas havia ainda um problema: esses antidepressivos iniciais causavam efeitos colaterais graves, e os psiquiatras estavam céticos de que os pacientes estariam dispostos a tomá-los. Ainda assim, as empresas farmacêuticas viram uma grande oportunidade lucrativa e foram atrás de uma droga que pudesse aumentar os níveis de serotonina sem causar efeitos colaterais graves.
Entra Prozac e Zoloft
No início de 1970, surgiram drogas como a fluoxetina (Prozac) e a sertralina (Zoloft). Estes compostos eram parte de uma nova classe de antidepressivos, chamados inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), que elevavam os níveis de serotonina no cérebro, evitando que os neurônios reciclassem a serotonina que já tinha sido liberada.
Demorou cerca de 20 anos para os primeiros ISRS passarem por testes clínicos e receberem aprovação para serem comercializados. Psiquiatras e empresas farmacêuticas ficaram felizes em alardear uma explicação biológica para a depressão (baixos níveis de serotonina), e um remédio relativamente seguro para combater isso.
Mas os que estão familiarizados com a depressão sabem que muitas vezes ela pode resistir a esse tratamento. Nem todas as pessoas confrontadas com a doença podem ser ajudadas por antidepressivos destinados a “corrigir” um suposto déficit de serotonina – um fato que ressalta a insuficiência da teoria do desequilíbrio químico, bem como a complexidade da depressão, em geral.
Por que não podemos provar a teoria do desequilíbrio químico
Para começar, é impossível medir diretamente os níveis de serotonina no cérebro de seres humanos. Você não pode colher uma amostra de tecido cerebral humano sem destruí-la. Uma maneira de tentar medir esses níveis envolve a medição dos níveis de um metabólito da serotonina, 5-HIAA, no líquido cefalorraquidiano, que só pode ser obtido com uma punção lombar.
Um punhado de estudos da década de 1980 concluíram que os remédios diminuíam ligeiramente o 5-HIAA em pacientes deprimidos e suicidas, enquanto que estudos posteriores têm produzido resultados conflitantes sobre se os ISRS diminuem ou aumentam os níveis de 5-HIAA. O fato é que não há evidência direta de uma depressão subjacente a um desequilíbrio químico.
Sem contar que muitas outras drogas que não funcionam do mesmo jeito existem para tratar a depressão. Tianeptina faz exatamente o oposto dos ISRS – aumenta a recaptação da serotonina. Wellbutrin é outro antidepressivo que não aumenta os níveis de serotonina.
E ainda uma recente meta-análise realizada por pesquisadores liderados pelo psicólogo Paul Andrews da Universidade McMaster (Canadá) revelou que, em roedores, a depressão foi associada geralmente com elevados níveis de serotonina. Andrews afirma que a depressão é, portanto, um distúrbio de muita serotonina.
Os problemas dessa teoria não acabam aí. Se baixos níveis de serotonina fossem mesmo responsáveis por sintomas de depressão, é lógico que o aumento dos níveis de serotonina deveria aliviar os sintomas mais ou menos imediatamente. Só que, na realidade, os antidepressivos podem levar mais de um mês para entrar em vigor.
A complexidade da depressão
A verdade é ambígua: diferentes experiências têm demonstrado que ou a ativação ou o bloqueio de determinados receptores de serotonina melhoram ou pioram os sintomas de depressão de forma imprevisível.
No geral, os cientistas descobriram que a magnitude do benefício da medicação antidepressiva em comparação com placebo aumenta com a gravidade dos sintomas de depressão, mas esse benefício pode ser mínimo ou inexistente em pacientes com sintomas leves ou moderados.
A conclusão é que ampla gama dos sintomas de depressão pode estar ligada a fatores inumeráveis que se sobrepõem, de vulnerabilidade genética a deficiência de certos neurotransmissores a perturbações nos ritmos circadianos a fatores que podem alterar a sobrevivência e crescimento dos neurônios.
Também é óbvio que o estresse psicológico pode causar depressão. Isso não quer dizer que as bases sociais da depressão são totalmente diferentes das suas respectivas variáveis biológicas. A dicotomia de explicar a depressão ou como biológica ou como psicológica é falsa.
No futuro
Ficou claro que só se preocupar com a serotonina não cura a depressão. Mas os especialistas creem que várias terapias novas poderiam ganhar credibilidade nos próximos anos.
A ketamina, por exemplo, é uma esperança, mas deve ser administrada em intervalos regulares; a estimulação magnética transcraniana, em que ímãs são utilizados para manipular de forma não invasiva a atividade do cérebro, e a terapia da vigília, em que os pacientes são mantidos acordados por períodos prolongados, são outras duas opções baseadas em evidência científica.
No futuro, podemos até ver psicodélicos retornarem à clínica psiquiátrica; um número de compostos psicodélicos – incluindo a psilocibina, alucinógeno encontrado em cogumelos – mostraram-se promissores como antidepressivos nos últimos anos, um fato que tem levado muitos a pedir um fim à proibição da investigação de drogas psicoativas. [io9]
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