Qua, 19 de Maio de 2010 19:29
(BR Press) - Existe uma fábula onde um menino muito travesso e entediado, colocado para vigiar algumas ovelhas, divertia-se gritando “Lobo! Lobo!”. Quando os adultos da aldeia acudiam, armados até os dentes, o menino ria do trote. Assim que todos retornavam para suas casas, ele gritava “lobo!” novamente, e a cena se repetia.
Um belo dia, o socorro parou de vir. As pessoas estavam cansadas de cair sempre na mesma pegadinha. Nesse dia, o lobo apareceu de verdade. E o pobre menino gritou, chamou, cuspiu seus pulmões, “Lobo! Lobo! Lobo!!”, mas ninguém acudiu.
Vira e mexe, os especialistas gritam “Lobo!”. Anos atrás, o lobo era a guerra atômica que dizimaria a humanidade em frações de segundo, literalmente entregando o planeta às baratas. E então o lobo se transformou na inflação, no FMI e na dívida externa. E então, no desmatamento do pulmão do planeta e na perda da biodiversidade. Pois agora temos o lobo metamorfoseado em aquecimento global. Com promessa de falta d’água, crise na energia elétrica e catástrofes climáticas.
A cada década, as previsões do Apocalipse ganham um novo fôlego, se atualizando segundo o gosto da moda na última estação. Entretanto, para quem já usou kichute e aprendeu a ler em cartilhas, ouvir alguém gritando “lobo!” perdeu a graça. Banalizado, o anúncio do final do mundo está virando arroz de festa.
Por isso, me surpreendi quando deparei com uma manchetes de saúde das mais comentadas, sobre um estudo publicado no jornal Behavioral Neuroscience concluindo que adoçantes à base de sacarina, ao invés de emagrecerem, engordam. Como pouca gente parou para ler exatamente do que se tratava, sobrou apenas o grito de lobo no ar: adoçante engorda!
Os adoçantes vivem ocupando manchetes estapafúrdias. Era de se esperar que ninguém mais prestasse atenção, mas não foi bem o que aconteceu. E haja saliva para explicar isso no consultório.
Dietas
Para você ficar por dentro: a bendita pesquisa analisou dois grupos de ratos durante um certo período de tempo. Inicialmente, o primeiro grupo recebia uma dieta com adoçante e outro, com açúcar. Mais tarde, os dois grupos recebiam ração comum à vontade. Observou-se que o grupo do adoçante comia a ração em maior quantidade, tentando compensar a restrição de calorias, e terminou engordando mais que o grupo do açúcar.
A conclusão deveria ser que dietas muito restritivas desequilibram os centros reguladores da fome no cérebro. Estas dietas podem funcionar em um primeiro momento, mas não funcionam para sempre, e o peso perdido termina voltando com juros e correção monetária.
Infelizmente, não foi bem esta manchete que desembarcou na mídia. Chegou uma outra, esdrúxula, dizendo: “Cientistas comprovam: adoçante engorda!”, ou alguma coisa do tipo.
Foi a gota. A opinião pública começou a apontar seus dedos acusadores com a velha legenda: “Tá vendo? Eu disse que essa porcaria fazia mal!”. Segurando suas tochas e bradando palavras de ordem - "Queime no inferno, ciclamato, queime!" -, algumas pessoas ameaçam ir até o centro da cidade linchar um caminhão de aspartame.
Ah, o que seria da vida sem esses camponeses...
Você quer ter medo da extinção em massa? Tenha medo do cigarro, que está envolvido em 18 dos 20 novos casos de câncer de pulmão diagnosticados no Brasil diariamente. E não precisa ser tabagista ativo não, viu? Fumante passivo também serve. Destes 18 felizes sorteados, 17 irão virar fumaça nos próximos 5 anos, a despeito de tratamento. O câncer pulmonar não é considerado um dos mais letais à toa.
Quer mesmo ter medo? Tenha medo do alcoolismo. O consumo de bebidas alcoólicas está envolvido em 20% dos acidentes automobilísticos no Brasil, 24% dos assassinatos e 11% dos suicídios. Tudo que você precisa fazer é abrir a próxima latinha.
Quer ter medo? Deixe o vidro de adoçante de lado e preste mais atenção no saleiro e no sofá da sala. O consumo excessivo de sal e o sedentarismo podem resultar em pressão alta e doenças cardiovasculares, responsáveis pela morte de 32 pessoas por hora.
Antes que você me acuse de ser um fiel representante dos profetas do final dos tempos, fique sabendo que, mesmo com os tímpanos fadigados de tanto gritarem “lobo!” por aí, eu não desanimo.
No próximo levante dos dândis da histeria coletiva, estou programando pegar minha mochila e sair para um passeio. Vou visitar o buraco na camada de ozônio e algumas ogivas nucleares. Os pobrezinhos andam tão esquecidos...
Dr. Alessandro Loiola*/Especial para BR Press
(BR Press) - Existe uma fábula onde um menino muito travesso e entediado, colocado para vigiar algumas ovelhas, divertia-se gritando “Lobo! Lobo!”. Quando os adultos da aldeia acudiam, armados até os dentes, o menino ria do trote. Assim que todos retornavam para suas casas, ele gritava “lobo!” novamente, e a cena se repetia.
Um belo dia, o socorro parou de vir. As pessoas estavam cansadas de cair sempre na mesma pegadinha. Nesse dia, o lobo apareceu de verdade. E o pobre menino gritou, chamou, cuspiu seus pulmões, “Lobo! Lobo! Lobo!!”, mas ninguém acudiu.
Vira e mexe, os especialistas gritam “Lobo!”. Anos atrás, o lobo era a guerra atômica que dizimaria a humanidade em frações de segundo, literalmente entregando o planeta às baratas. E então o lobo se transformou na inflação, no FMI e na dívida externa. E então, no desmatamento do pulmão do planeta e na perda da biodiversidade. Pois agora temos o lobo metamorfoseado em aquecimento global. Com promessa de falta d’água, crise na energia elétrica e catástrofes climáticas.
A cada década, as previsões do Apocalipse ganham um novo fôlego, se atualizando segundo o gosto da moda na última estação. Entretanto, para quem já usou kichute e aprendeu a ler em cartilhas, ouvir alguém gritando “lobo!” perdeu a graça. Banalizado, o anúncio do final do mundo está virando arroz de festa.
Por isso, me surpreendi quando deparei com uma manchetes de saúde das mais comentadas, sobre um estudo publicado no jornal Behavioral Neuroscience concluindo que adoçantes à base de sacarina, ao invés de emagrecerem, engordam. Como pouca gente parou para ler exatamente do que se tratava, sobrou apenas o grito de lobo no ar: adoçante engorda!
Os adoçantes vivem ocupando manchetes estapafúrdias. Era de se esperar que ninguém mais prestasse atenção, mas não foi bem o que aconteceu. E haja saliva para explicar isso no consultório.
Dietas
Para você ficar por dentro: a bendita pesquisa analisou dois grupos de ratos durante um certo período de tempo. Inicialmente, o primeiro grupo recebia uma dieta com adoçante e outro, com açúcar. Mais tarde, os dois grupos recebiam ração comum à vontade. Observou-se que o grupo do adoçante comia a ração em maior quantidade, tentando compensar a restrição de calorias, e terminou engordando mais que o grupo do açúcar.
A conclusão deveria ser que dietas muito restritivas desequilibram os centros reguladores da fome no cérebro. Estas dietas podem funcionar em um primeiro momento, mas não funcionam para sempre, e o peso perdido termina voltando com juros e correção monetária.
Infelizmente, não foi bem esta manchete que desembarcou na mídia. Chegou uma outra, esdrúxula, dizendo: “Cientistas comprovam: adoçante engorda!”, ou alguma coisa do tipo.
Foi a gota. A opinião pública começou a apontar seus dedos acusadores com a velha legenda: “Tá vendo? Eu disse que essa porcaria fazia mal!”. Segurando suas tochas e bradando palavras de ordem - "Queime no inferno, ciclamato, queime!" -, algumas pessoas ameaçam ir até o centro da cidade linchar um caminhão de aspartame.
Ah, o que seria da vida sem esses camponeses...
Você quer ter medo da extinção em massa? Tenha medo do cigarro, que está envolvido em 18 dos 20 novos casos de câncer de pulmão diagnosticados no Brasil diariamente. E não precisa ser tabagista ativo não, viu? Fumante passivo também serve. Destes 18 felizes sorteados, 17 irão virar fumaça nos próximos 5 anos, a despeito de tratamento. O câncer pulmonar não é considerado um dos mais letais à toa.
Quer mesmo ter medo? Tenha medo do alcoolismo. O consumo de bebidas alcoólicas está envolvido em 20% dos acidentes automobilísticos no Brasil, 24% dos assassinatos e 11% dos suicídios. Tudo que você precisa fazer é abrir a próxima latinha.
Quer ter medo? Deixe o vidro de adoçante de lado e preste mais atenção no saleiro e no sofá da sala. O consumo excessivo de sal e o sedentarismo podem resultar em pressão alta e doenças cardiovasculares, responsáveis pela morte de 32 pessoas por hora.
Antes que você me acuse de ser um fiel representante dos profetas do final dos tempos, fique sabendo que, mesmo com os tímpanos fadigados de tanto gritarem “lobo!” por aí, eu não desanimo.
No próximo levante dos dândis da histeria coletiva, estou programando pegar minha mochila e sair para um passeio. Vou visitar o buraco na camada de ozônio e algumas ogivas nucleares. Os pobrezinhos andam tão esquecidos...
(*) Dr. Alessandro Loiola é médico, escritor, palestrante, autor de Vida e Saúde da Criança e Crianças em Forma: Saúde na Balança (www.editoranatureza.com.br). Fale com ele pelo e-mail aloiola@brpress.net Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. ou pelo Blog do Leitor.
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