Estudo realizado em parceria entre a Unifesp e a USP mostra que a depressão contribui com a recaída de pacientes que pararam de fumar depois de hospitalização por doença coronariana
7/10/2009
Por Alex Sander Alcântara Agência FAPESP – A depressão é um fator de recaída no comportamento de fumar após a alta hospitalar entre fumantes que iniciaram abstinência em virtude de hospitalização por enfarto do miocárdio ou angina instável. É o que conclui uma pesquisa, realizada na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com o Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
O estudo teve o objetivo de investigar, em pacientes hospitalizados com diagnóstico de síndromes coronárias agudas, se a depressão e outras características são fatores que permitem prever até que ponto os pacientes mantêm a abstinência de nicotina iniciada na hospitalização. A pesquisa avaliou também fatores associados à dependência de nicotina, como o álcool e a cafeína, além da percepção de risco.
O trabalho, intitulado “Fatores associados e preditivos da recaída no comportamento de fumar em pacientes com síndromes coronárias agudas”, é resultado do doutorado da psicóloga Glória Heloise Perez, defendido na Unifesp. A autora é psicóloga chefe do InCor.
O estudo teve fundamento em uma pesquisa iniciada há cerca de 10 anos por Ronaldo Ramos Laranjeira, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, com apoio da FAPESP na modalidade auxílio à pesquisa. Orientador da tese de Glória, Laranjeira afirma que o estudo é inovador, ainda que o tema tenha começado a ser explorado há quase uma década.
“Hoje a literatura até corrobora essas associações entre a dificuldade de parar de fumar e a ocorrência de depressão, ou outros fatores. Mas há dez anos, quando apresentamos um projeto à FAPESP, o assunto era muito pouco comentado”, disse Laranjeira à
Agência FAPESP .
O pesquisador é coordenador do projeto temático intitulado “Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e outras drogas”, financiado pela FAPESP. Segundo ele, o estudo apresentado por Glória chama a atenção para a necessidade de se dar mais assistência aos fumantes, principalmente àqueles que não conseguem parar de fumar.
“Não adianta dizer para uma pessoa que sofreu infarto que, agora que ficou doente, precisa parar de fumar. Sem estrutura e tratamento adequados, que envolve também uso de medicamentos, muitos voltam a fumar”, alerta Laranjeira.
O elemento “inovador” do trabalho de Glória consistiu em levar em conta questões psicológicas, como a depressão, segundo Laranjeira. “É natural que essas questões de ordem psicológicas também interfiram no processo de interrupção do ato de fumar”, disse Glória à
Agência FAPESP.
O estudo avaliou 403 pacientes que apresentaram infarto ou angina instável, monitorados por seis meses após o período de internação. Segundo a psicóloga, os pacientes deprimidos tiveram, proporcionalmente, mais chance de recaída do que os não deprimidos hospitalizados.
“Quando um paciente é hospitalizado para o tratamento de uma doença cardíaca como o infarto, por exemplo, ele é proibido de fumar. Isso faz com que uma pessoa entre obrigatoriamente em abstinência”, explica.
Os entrevistados ficaram, em média, oito dias hospitalizados e, consequentemente, foram obrigados a ficar sem fumar nesse período. “Como estavam fora da rotina, vivendo uma doença com vários sintomas, grave e potencialmente fatal, longe das situações em que estão condicionados a fumar, a hospitalização por mais tempo foi um fator que os protegeu da recaída no comportamento de fumar após a alta hospitalar”, disse Glória.
A pesquisa aponta que houve uma abstinência de cerca de 60%, ou seja, menos da metade (40%) dos pacientes voltaram a fumar. “Isso significa que a hospitalização é uma grande oportunidade para as pessoas pararem de fumar”, disse a psicóloga.
O tempo da hospitalização foi considerado um fator que influencia a recaída dos pacientes: quanto menor a duração da internação, maior a chance de recaída, uma vez que a “primeira semana é o pior período para resistir à tentação de fumar”, segundo a pesquisadora.
Ter diagnóstico de angina instável – e não de infarto – foi considerado também um fator “preditivo”, segundo o estudo. A gravidade seria um fator “mobilizador” para parar o vício.
“O paciente que tem o diagnóstico de angina instável acha que a doença é menos grave, portanto volta a fumar. O paciente de infarto não. Ele sabe da gravidade da doença, que é potencialmente fatal”, afirma Glória.
Fatores associadosSegundo a psicóloga do InCor, a relação entre depressão e o comportamento de fumar é muito complexa. Foram aplicadas duas escalas para avaliar a depressão. Uma para diagnóstico e outra para a intensidade do problema.
“É uma via de mão dupla. Tanto uma pessoa pode fumar para aliviar os sintomas de depressão porque a nicotina tem um efeito antidepressivo, como também alguns estudos mostram que um fumante pode desenvolver depressão”, diz.
Comparados com não-fumantes, os fumantes com síndrome coronariana aguda são jovens, mais propensos ao consumo de café e percebem menos o fumo como um fator de risco para doenças cardíacas.
Segundo a pesquisa, homens fumantes são também mais propensos ao consumo de álcool, indicando que usam mais psico-estimulantes do que homens não-fumantes e mulheres que fumam.
Mas, de acordo com Glória, o consumo de álcool não foi um fator preditivo de recaída, mas um fator associado. Entre os homens, os fumantes que tiveram diagnóstico de infarto consomem mais café e álcool. “Os fumantes são mais jovens e ficam doentes mais precocemente do que os não fumantes”, acrescentou.