segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Lesão no hipotálamo pode ser uma das causas da obesidade

Fonte: Ciência e Tecnologia em Foco

Dieta rica em gorduras saturadas causa lesão que leva a perda do controle da fome e do gasto energético
Por: Cristiane Paião

Uma pesquisa inédita realizada na Universidade Estadual de Campinas indica que dietas ricas em gorduras saturadas, como as presentes nas carnes bovina e suína, lesionam uma região do cérebro chamada hipotálamo, responsável pelo controle da fome e do gasto energético, e levam a perda deste controle neural. Segundo o estudo, algumas pessoas, quando expostas a dietas hipercalóricas, perdem gradativamente este controle e passam a consumir mais calorias do que gastam, tornando-se obesas com o decorrer do tempo. A descrição de uma lesão neurológica induzida por fatores nutricionais, que leva ao desenvolvimento da obesidade, é inédita na literatura médica. Até alguns anos atrás acreditava-se que a obesidade se devia, em grande parte, ao valor energético dos alimentos que os indivíduos ingeriam. Embora se saiba que há uma forte relação entre a ingestão de gorduras e o ganho de peso, sabe-se também que entre os indivíduos que consomem dietas ricas em gordura, há os que engordam e os que não engordam. Diante deste questionamento, as cientistas Marciane Milanski e Juliana Contin, foram buscar em modelos animais outras explicações para a gênese da doença. Os estudos foram realizados dentro do Laboratório de Sinalização Celular, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Orientadas pelo Prof. Dr. Lício Augusto Velloso, as doutorandas investigaram a influência de ácidos graxos no funcionamento do hipotálamo, e descobriram que as gorduras saturadas possuem propriedades moleculares que ativam uma resposta inflamatória especificamente nesta parte do cérebro. Uma vez inflamado, o hipotálamo perde parte de suas funções e permite que ocorra um desequilíbrio entre ingestão de alimentos e gasto de energia na forma de termogênese . Os estudos mostraram que tal inflamação é desencadeada por um receptor do sistema imune denominado Toll-Like Receptor 4 (TLR4). Para investigar os efeitos de dietas hiperlipídicas no hipotálamo, Marciane Milanski testou em animais de laboratório três tipos de gorduras comuns na mesa do brasileiro: um grupo de animais foi alimentado com ácidos graxos presentes no óleo de soja, outro com ácidos graxos de gorduras de origem animal, e um terceiro com gordura monoinsaturada do azeite de oliva. “Vimos que a dieta rica em gordura animal é a que mais influencia para o desequilíbrio entre o que uma pessoa come e o que ela gasta de energia”, diz Marciane. A pesquisadora focou seu estudo no TLR4, receptor do sistema imune inato que nos protege de infecções primárias ao provocar uma inflamação que sinaliza à célula quando há bactérias invasoras a serem combatidas. “A literatura mostra que ácidos graxos saturados ativam o TLR4 para desenvolver diabetes e obesidade, mas em tecidos periféricos. Fui investigar se este receptor estava presente também no sistema nervoso central, se era ativado e por qual tipo de gordura”. Marciane Milanski focou seu estudo no TLR4, e explica que quando o TLR4 é ativado, produz citocinas que causam inflamação no hipotálamo, o que interfere na sinalização dos hormônios responsáveis pelo controle da fome e do gasto energético. Ela acrescenta que qualquer perturbação nesta região delicada do cérebro pode fazer com que o indivíduo sinta uma fome intensa ou, ao contrário, nenhuma fome. “Concluímos que nos animais que receberam dieta saturada este prejuízo na sinalização foi praticamente irreversível”, diz Marciane.
De acordo com os pesquisadores, a exposição aos ácidos graxos saturados, quando prolongada, pode levar à morte de neurônios – processo chamado de apoptose - e a perda desses neurônios que têm função central no controle do peso pode selar o destino do indivíduo, fazendo com que ele tenha uma dificuldade cada vez maior de controlar sua fome. A pesquisadora Juliana Contin observou em sua pesquisa que os animais com dieta hiperlipídica apresentavam processos de indução de morte celular, e especificamente de neurônios do hipotálamo, quadro não registrado em animais alimentados com ração normal. “Depois da ingestão por certo tempo de ácidos graxos saturados em excesso, ocorre a ativação do TLR4 de forma exacerbada, levando a uma sinalização que culmina em apoptose. Há uma inflamação altíssima, com a morte de neurônios-chaves no controle da fome. Como o neurônio tem pouquíssimas chances de se regenerar, sua função é perdida”. Entretanto, segundo Juliana, caso a exposição à alimentação hiperlipídica continue indefinidamente, o próprio TLR4 apresenta um mecanismo de autocontrole em que sua sinalização é atenuada. “O hipotálamo continua inflamado, gerando perturbações no equilíbrio do seu funcionamento, mas trata-se de uma inflamação protetora, já que a apoptose é diminuída e os neurônios deixam de morrer. De qualquer forma, muitos neurônios já foram perdidos”, diz a pesquisadora. De acordo com O Prof. Licio Velloso, as pesquisas feitas por Marciane Milanski e Juliana Moraes elucidam aspectos importantes para a compreensão dos mecanismos que levam ao desenvolvimento da obesidade, contribuindo com futuras pesquisas que ajudem a conter a doença, já considerada um dos principais problemas de saúde pública no mundo. “Mais de 300 milhões de pessoas são obesas e este número deve aumentar substancialmente nas próximas décadas, de acordo com projeções da Organização Mundial de Saúde”, diz Velloso. Segundo Velloso, a perda definitiva destes neurônios do hipotálamo deve explicar por que pessoas obesas que se submetem a dietas rigorosas, ainda que consigam emagrecer nas primeiras semanas, voltam a engordar algum tempo depois. “Hoje podemos afirmar que gorduras saturadas contribuem para o ganho de peso não apenas por seu valor calórico, mas também por causa de propriedades moleculares que esses nutrientes possuem. O efeito depende da carga genética de cada indivíduo. Nos experimentos, vimos que animais com predisposição à obesidade perdem mais neurônios”, diz Velloso.

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