A história começou com a degustação de um bolo com o composto entre amigos
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Por José Alexandre Crippa
Canabidiol (iStockphoto/Getty Images)
Em 1963 o bioquímico israelense Raphael Mechoulam isolou e elucidou a estrutura química do Canabidiol (CBD), um dos componentes da maconha, nome popular da ploranta Cannabis sativa. No ano seguinte, ele conseguiu fazer o mesmo com o Δ9-tetrahydrocannabinol (THC) e com vários outros compostos canabinoides. Até então, não se sabia qual dessas substâncias era a responsável pelos efeitos típicos induzidos pelo uso da maconha.
Dessa forma, esse pesquisador resolveu fazer um experimento tão simples quanto inusitado. Chamou na sua casa um grupo de amigos que foram encarregados de comer um pedaço de bolo preparado pela sua esposa (no documentário, “The Scientist” de Zach Klein, Mechoulam diz não lembrar qual era o sabor do bolo). Metade dos seus colegas comeu um pedaço com um dos compostos e enquanto a outra metade degustava o bolo sem nenhuma substância. Em um desses “experimentos” Mechoulam pôs o CBD e… nada! Ninguém sentiu nenhum efeito. Porém, outro dia, quando ele colocou THC, os amigos que comeram uma fatia com esse composto (incluindo sua esposa) apresentaram todos os efeitos típicos da droga. Ficaram “chapados”! Neste simples experimento “científico-gastronômico”, descobriu-se assim qual era a substância responsável pelos efeitos associados à maconha.
Ao longo de mais do que 10 anos a partir daqueles experimentos, achava-se que o CBD era um composto inativo, sem nenhuma ação específica. Porém, no início da década de 1970, um grupo brasileiro liderado pelo brilhante pesquisador Elisaldo Carlini descobriu ( primeiro em animais, em 1973 e depois em humanos, em 1980) que o CBD tinha efeito antiepiléptico. Essa foi a primeira ação farmacológica descrita do CBD, mas que ficou “adormecida” por muitos anos.
Curiosamente, apenas mais recentemente, os casos de crianças com quadro de epilepsia refratária, que recentemente ganharam notoriedade na mídia por terem melhorado com o uso do CBD, reforçaram essas observações pioneiras.
Vários pesquisadores que fizeram parte deste grupo trouxeram grandes contribuições na pesquisa com o CBD. De modo especial, o cientista Antonio Zuardi da USP de Ribeirão Preto e seus colaboradores colocaram o país na vanguarda nas pesquisas sobre o potencial terapêutico dessa substância e de outros derivados. Pesquisas com o CBD na doença de Parkinson, ansiedade, depressão, esquizofrenia e distúrbios do sono, entre diversas outras condições, demonstraram resultados promissores.
Recentemente, o CNPq aprovou a renovação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Translacional em Medicina (INCT-TM), agora contando com 8 centros e 18 sub-centros de pesquisa espalhados pelo Brasil e exterior. Sob a coordenação dos professores Jaime Hallak (FMRP-USP) e Flávio Kapczinski (UFRGS), o INCT-TM já está recebendo recursos diretos que deram início a uma das maiores iniciativas mundiais integrando a pesquisa básica e clínica com o CBD, com outros canabinoides e com outros compostos com potencial terapêutico.
Finalmente, em uma arrojada parceria entre a Universidade de São Paulo e a indústria farmacêutica Prati-Donaduzzi será construído o Centro de Pesquisa em Canabinoides da FMRP-USP (com o prédio já em fase de licitação) e será realizado já em 2017 um amplo estudo clínico do CBD em grau farmacêutico (coordenado pelo Prof Zuardi e já aprovado pelo CEP (https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT02783092) com mais de 120 crianças e adolescentes com epilepsia refratária.
Esperamos que os achados desse e de outros estudos colaborativos possam levar rapidamente à transmissão de todos esses conhecimentos para a sociedade, na incansável busca da redução do sofrimento e na melhora da qualidade de vida de pacientes e familiares de portadores de diversas doenças e transtornos.
Observação 1: Durante um jantar em uma das minhas visitas ao professor Mechoulam em Jerusalém eu questionei sua esposa, Sra. Dalia, se ela lembrava qual era o sabor do bolo dos “experimentos” iniciais com os canabinoides. Ela me respondeu:
– É claro, era de chocolate! Talvez esse tenha sido o primeiro brownie de maconha da história….
Observação 2: Agradeço a Antonio Waldo Zuardi, professor Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, pela gentileza em revisar os aspectos históricos deste texto.
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Por José Alexandre Crippa
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