Novos testes não invasivos tornam acessível e seguro o diagnóstico pré-natal. E grávidas têm optado por não ter bebês deficientes. Em países como a Dinamarca, praticamente não nascem mais crianças com o distúrbio
Toda vez que Philipp Peters encontra o irmão mais novo, é recebido com carinhosas boas-vindas: “Ele fica totalmente feliz de me ver, e mostra isso”, comenta.
Novos testes não invasivos tornam acessível e seguro o diagnóstico pré-natal
Seu irmão tem síndrome de Down, ou trissomia 21. Um distúrbio genético associado a retardo do desenvolvimento físico e deficiência intelectual entre leve a moderada. Mas há outros aspectos, e nem todos representam uma desvantagem.
– Os portadores da síndrome de Down são também incrivelmente cordiais – diz Peters, que trabalha na Lebenshilfe NRW. Organização do estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália engajada na inclusão dos deficientes na vida social.
O rapaz é querido pela família. “Tivemos uma relação fraternal bem normal”. Afirma Peters, confirmando a visão dos especialistas de que a maioria dos portadores da síndrome é capaz de uma vida feliz, além de um componente valioso da sociedade.
O argumento, entretanto, parece não impressionar grande parte das gestantes. Pois cada vez nascem menos crianças com trissomia 21. Estima-se que na Europa nove entre cada 10 mulheres decidem pelo aborto ao serem informadas de que o feto em seu útero porta a deficiência.
E atualmente é mais fácil do que nunca descobrir se o nascituro tem síndrome de Down. No novo exame pré-natal denominado teste triplo. O DNA do feto contido no sangue da mãe é indicador da probabilidade de trissomia 21. Caso se constate a presença de três cromossomos de número 21, em vez dos dois normais. O resultado pode ser então verificado através do exame do líquido amniótico.
Método invasivo e mais arriscado.
Os diagnósticos pelo novo método são muito mais precisos do que os anteriores. Baseados no exame de sangue combinado à ultrassonografia. Mesmo assim, eles já resultaram num aumento dos abortos de fetos portadores de trissomia 21. Aponta Gert de Graaf, da holandesa Fundação Síndrome de Down.
Teste e aborto
Em 2003 as autoridades da Holanda estipularam que toda gestante do país deveria ser ativamente informada sobre a possibilidade de se submeter à triagem pré-natal da síndrome de Down. Através do teste combinado.
Desde então reduziu-se o número de bebês deficientes. Mas De Graaf ressalta que muitos casais preferem não participar do programa de triagem. Porque simplesmente não querem saber. “Para eles a trissomia 21 não é motivo de aborto, para início de conversa”, diz.
Embora apenas cerca de um terço das grávidas holandesas adote o teste. Calcula-se que, sem os abortos consequentes, nasceriam no país duas vezes mais portadores do distúrbio genético. Agora que os exames mais precisos e não invasivos estão amplamente disponíveis. É possível que mais mulheres se submetam à triagem. Com um aumento das gestações interrompidas.
O banco de dados europeu Eurocat, que monitora anomalias congênitas, revela na Alemanha cifras comparáveis às da Holanda. No total, a metade dos bebês com trissomia 21 não vem ao mundo. Pois os pais se decidem pelo aborto.
O número de crianças nascidas com a deficiência aparentemente depende muito de quantas gestantes se submetem à triagem. Na Dinamarca, por exemplo, o teste da síndrome de Down é grátis e cerca de 90% das futuras mães se submetem a ele. De acordo com De Graaf, há até “uma sutil pressão social para que se faça a triagem”.
Em consequência, hoje em não nasce praticamente nenhuma criança portadora da deficiência no país. Já nos Estados Unidos, onde o aborto não é tão amplamente aceito, os estudos mostram que apenas 67% das mulheres optam por interromper a gravidez quando é constatada a trissomia 21.
Dilema moral
Gert de Graaf gostaria que houvesse melhor informação sobre o distúrbio genético. “A síndrome de Down não é o desastre que as pessoas pensam. Eu não o consideraria razão para abortar”, diz, embora ressalvando que cada um deve ter a chance de decidir por si.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), entre 3 mil e 5 mil crianças nascem anualmente com esse distúrbio dos cromossomos, apresentando problemas auditivos, cardíacos e intestinais, entre outros. No entanto, a expectativa de vida dos portadores cresceu muito nas últimas décadas, e cerca de 80% deles completam ou ultrapassam o 50º aniversário.
Compreendendo que as perspectivas futuras possam assustar as mães de um portador da trissomia, Florian Steger, perito em ética médica da Universidade de Ulm, apela para que a sociedade aja: “Não devemos deixar sozinha e sem ampara uma mãe de uma criança deficiente.”
Ele frisa que é prerrogativa de cada mulher decidir se quer participar da triagem pré-natal e se deseja abortar ou não. No entanto, cada uma é igualmente responsável por se informar e decidir “sem seguir cegamente o conselho alheio, seja de um médico, de sua mãe ou de outra pessoa”, ressalta o especialista.
Risco cresce com a idade
A chance atual de uma criança nascer com síndrome de Down é de um para 200, com as mães acima dos 30 ou 35 anos de idade portando risco bem maior do que as mais jovens.
Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, entre 1979 e 2003 cresceu em 30% o número de bebês portadores, possivelmente devido à tendência de postergar a gravidez para uma fase mais estável da vida.
Assim, há quem interprete as triagens pré-natais e os abortos como uma forma de se contrapor a esse incremento da deficiência na sociedade contemporânea. E De Graaf não nega: uma criança portadora significa muito trabalho.
– Tendo um filho com trissomia 21, a vida será diferente – admite, embora simultaneamente recordando que, mesmo sem a síndrome de Down, ninguém tem garantia total de uma descendência saudável.
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