segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Hora de quebrar paradigmas

Bruno Dominguez


Foto: Rondon Vellozo/MSl
Francisco Júnior fala no CNS no dia da posse: pelo
"fortalecimento da organização e da mobilização”

Ao tomar posse como ministro da Saúde, em março de 2007, o sanitarista José Gomes Temporão anunciou como uma das 22 prioridades de sua gestão a “Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem”. No início deste ano, deu o primeiro passo, criando a Área Técnica de Saúde do Homem, subordinada ao Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (Dape), da Secretaria de Atenção à Saúde. No mês passado, o segundo: juntamente com representantes da sociedade civil, a área técnica terminou de elaborar a proposta dessa política nacional, que ficou em consulta pública de 10 a 30 de setembro.

O esforço se justifica: a mortalidade masculina é bem maior do que a feminina ao longo do ciclo da vida. Entre 1960 e 2006, a chance de um homem com 20 anos morrer antes de passar ao grupo etário seguinte ( 25 a 29 anos) era 1,1 vez maior que a de uma mulher da mesma faixa; agora é 4,1 vezes maior. Segundo o relatório final da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (ver pág. 12), pesam mais nesse aumento os óbitos por causas externas ou violência. A taxa de mortalidade masculina por homicídios é cerca de 12 vezes maior do que a feminina, chegando a 15 vezes entre 20 e 29 anos.

As principais causas de morte entre homens de 15 a 59 anos são violência ou causas externas, doenças do aparelho circulatório, tumores, doenças mal definidas, doenças do aparelho digestivo e doenças do aparelho respiratório, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade.

Muitas dessas mortes poderiam ser evitadas, não fosse a resistência masculina de procurar os serviços de saúde. “Trabalhos científicos referendam que o próprio homem subestima seu cuidado”, diz o diretor do Dape, Adson França. Segundo ele, alguns costumam alegar que não vão aos postos de saúde porque estes fecham cedo, enquanto ainda estão no trabalho. “É uma desculpa”, rebate. Estudos mostram que não há aumento da frequência masculina em estados com unidades que oferecem horário de atendimento ampliado, enquanto as mulheres trabalhadoras conseguem ir às unidades se cuidar. O pesquisador Jorge Lyra da Fonseca, do Instituto Papai, do Recife, estuda o tema das masculinidades desde 1994 e também observa que muitos homens veem o cuidado com a saúde como “coisa de mulher”.

O EXEMPLO DA RUBÉOLA

A vacinação contra a rubéola foi um exemplo. Até 5/9, o Ministério da Saúde vacinara 47 milhões de brasileiros. Desde o início da campanha, porém, as mulheres estiveram à frente na adesão: 72,74% delas haviam tomado a vacina, contra 63,56% dos homens. “As mulheres são campeãs em participação”, disse o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ao vacinar no Instituto Pasteur, em São Paulo, o nadador Cesar Cielo, campeão olímpico em Pequim. “Uma medalha de ouro para as brasileiras e uma de prata para os brasileiros”, ralhou o ministro. “Cielo se transformou de atleta em referência para toda a juventude”. O nadador brincou: “Odeio tomar injeção, mas tive que aparecer sorrindo na foto, senão ninguém vacina mesmo!”

Um dos objetivos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem é justamente aumentar o acesso e a adesão dos 40 milhões de homens com idade entre 25 e 59 anos à rede do Sistema Único de Saúde desde a atenção primária até a especializada e hospitalar. Em especial, visa promover a saúde e prevenir agravos. Isso porque a maioria só procura profissionais quando já apresenta sintomas de uma doença: quase sempre, a atenção especializada, para tratar de um problema específico, como diabetes ou infarto. Enquanto as mulheres somaram 16 milhões de consultas ao ginecologista em 2007, os homens fizeram apenas 2 milhões de visitas ao urologista.

A comparação de outros dados mostra mais disparidades. Em 2003, as causas externas mataram 89.580 homens, contra 11.467 mulheres; as doenças do aparelho circulatório mataram 40.287, contra 26.323; as do aparelho digestivo, 16.371 a 5.032. No caso das doenças crônicas não-transmissíveis (como diabetes, hipertensão, insuficiência cardíaca, tumores, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, enfisema pulmonar), a diferença nos números se deve a um conjunto de fatores de risco, muito mais presentes entre os homens.

Pesquisa feita em 2006 pela Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico — o sistema Vigitel, ligado ao ministério — nas capitais dos 26 estados e do Distrito Federal aponta que, na população adulta, a quantidade de fumantes é maior no sexo masculino (20,3%) do que no feminino (12,8%), assim como a de sedentários (39,8% ante 20,1%) e de pessoas que consomem abusivamente bebidas alcoólicas (16,1% ante 8,1%).

Para Adson França, é preciso enfrentar sobretudo o alcoolismo, o tabagismo, a hipertensão e a obesidade entre os homens. A política propõe a criação de uma Semana de Promoção da Saúde do Homem, com campanhas voltadas para esse público, e a distribuição de cartilhas informativas destacando a importância de se cuidar.

ACOLHIMENTO MELHOR

Outro ponto fundamental, segundo o diretor do Dape, é capacitar os profissionais de saúde — especialmente agentes comunitários e integrantes das equipes da Estratégia Saúde da Família — para melhor acolherem os homens. “Há profissionais que levam seus preconceitos de casa para o trabalho”, lamenta. Jorge Lyra da Fonseca critica a forma com que a mídia cobre a atenção à saúde do homem. “O foco é quase sempre o exame de toque, tratado com ironia, com uma mensagem subliminar homofóbica”, o que, de acordo com ele, acaba afastando ainda mais o homem dos serviços.

Em agosto, Jorge defendeu a tese de doutorado em Saúde Pública “Homens, feminismo e direitos reprodutivos no Brasil: uma análise de gênero no campo das políticas públicas” no Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, unidade da Fiocruz em Pernambuco. Ao analisar documentos do governo federal relativos à política de direitos sexuais e reprodutivos distribuídos entre 2003 e 2006, concluiu que neles, em geral, a masculinidade era pensada como dispositivo de opressão. “Via-se o homem como sujeito secundário ou instrumental para a promoção da saúde da mulher”, em parte pela carência de estudos sobre masculinidade, em contraposição à força do movimento feminista.

Ele cita como exemplo a campanha de HIV/Aids do ano 2000, cujo mote era “Não leve aids para casa”. No filme para a TV, um homem aparecia tirando a aliança na rua e a pondo de volta antes de entrar em casa: “Um discurso moralista, de culpabilização, como se os homens transmitissem o vírus de maneira voluntária, intencional”.

AÇÕES PULVERIZADAS

Antes da criação da Área Técnica de Saúde do Homem, não havia um setor específico para a elaboração da linha de cuidados para o sexo masculino, e as ações estavam pulverizadas nas políticas de enfermidades, como hipertensão, diabetes, saúde mental, saúde do trabalhador, lembra Adson. De acordo com o diretor do Dape, o Brasil é o segundo país das Américas a elaborar uma política específica de saúde do homem, seguindo o exemplo do Canadá.

Antecipando-se à abertura da consulta pública, a equipe de pesquisadores do Instituto Papai, que desenvolve ações educativas para homens pobres e estudos sobre gênero no Recife, e do qual Jorge é coordenador-geral, produziu documento com “Diretrizes para uma política de atenção integral aos homens na saúde”. Entre outros pontos, joga luz sobre um tema obscuro: a violência.

A população carcerária e das fundações para crianças e adolescentes é em 95% formada por homens; das 127.633 mortes por violência e causas externas em 2005, 81,5% foram do sexo masculino. “Não há aspectos biogenéticos que justifiquem essa diferença de gênero”, salienta. Os principais atingidos são os jovens, negros e pobres, moradores de bairros da periferia. Jorge lembra de discurso do enfermeiro-sanitarista Itamar Lages, professor da Faculdade de Enfermagem da Universidade de Pernambuco, mestre em Saúde Coletiva, que dizia que “os meninos que sobreviveram à desnutrição agora estão morrendo por conta da violência”.

O instituto também defende que a paternidade seja encarada como um direito: “A mulher tem seis meses de licença-maternidade, o homem tem apenas 5 dias [projeto tramita no Congresso que a amplia para 15 dias], então, mesmo que deseje compartilhar o cuidado do filho com a mãe, não tem esse direito”. Para o pesquisador, os serviços de saúde devem se adequar ao crescente interesse dos pais pela criação dos filhos, convidando-os a participar do pré-natal, do parto, do pós-parto e das visitas ao pediatra.

O documento ainda sugere que a política de saúde para os homens não dispute recursos com a política de saúde das mulheres, mas atue conjuntamente; reconheça que as necessidades do sexo masculino não se limitam ao câncer de próstata e outras enfermidades, levando em consideração aspectos psicossociais e culturais; invista na melhoria dos sistemas de informação sobre saúde do homem; respeite a diversidade dentro do próprio gênero. E mais: melhore a estrutura das emergências, que recebem mais homens em decorrência de fraturas, traumas e crises agudas.

Adson França acredita que a elaboração de uma política específica para o homem pode ajudar a quebrar paradigmas, mas diz ser preciso um esforço para além da saúde. “Terá que haver uma mudança social na escola, no trabalho, na família, entre outros espaços sociais”, defende. “É uma questão cultural, e mudar a cultura é um grande desafio”.

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