segunda-feira, 8 de junho de 2009

O Caril de Carême

Foto Ilustrativa
Fonte:Jornal de Negócios
Frederico Bastião

Não fiquei nada surpreendido com a recente descoberta de um colega meu americano de que o caril previne a doença de Alzheimer e a demência. Bastar tomar caril (ainda há bem pouco tempo diríamos antes "comer") duas a três vezes por semana e a possibilidade de ocorrência destas doenças seria substancialmente menor, porque a curcumina não deixa que se espalhem as placas amilóides que rompem as ligações entre as células cerebrais. Teríamos, assim, que comer bem. Não só enche a barriga e fortalece o corpo, como pelos visto dá saúde à mente - isto é, faz ter, ao mesmo tempo, uma mente sã em corpo são. Adivinha-se grande sucesso para a cozinha indiana e um aumento do défice orçamental, com o movimento que está a formar para que as refeições com caril passem a ser comparticipadas pelo Serviço Nacional de Saúde.

Mas mais importante que louvar o trabalho alheio, fica provado que vale a pena investir - reflexão que deixo ao cuidado do senhor ministro da Ciência - nas potencialidades abertas a uma linha de investigação sobre as vantagens medicinais de um Bacalhau à Brás, umas Amêijoas à Bulhão Pato ou da Carne de Porco à Alentejana. Cá na Escola já me ofereci, eu próprio, para cobaia, a única coisa de que faço questão é que os materiais sejam de qualidade e não se deixe de testar os eventuais efeitos cruzados com um Barca Velha ou um Esporão Reserva. Em defesa desta tese, saliento que está largamente documentado o efeito positivo do Cozido à Portuguesa no tratamento das insónias, particularmente quando acompanhado de um bom Dão. Apenas se exige uma posologia cuidada, em que este (agora) medicamento seja ministrado em quantidades generosas. Também um bom Bacalhau com Todos, precedido de um Chouriço na Canoa e muito pão alentejano, e seguido de um Pudim de Abade de Priscos, tem reconhecida capacidade para combater a ansiedade e a angústia, sobretudo com um Quinta da Pacheca ou um Reguengos. E para combater o mal-estar geral, quem quer comparar aspirina com um Cabrito Assado no Forno seguido de um Queijo da Serra bem amanteigado? Ou, em vez de perder tempo no oftalmologista, que tal uns pastéis de cenoura, para fazer bem à vista - como dizia o outro, já viu algum coelho de óculos, sem ser o Jorge? E se o seu adversário numa discussão parece inteligente, é enrolá-lo em Trouxas de Ovos.

Meus queridos leitores, sabemos agora como dar saúde aos portugueses. Mas, ainda por cima, para usar um conceito caro aos economistas, esta boa prática gera importantes externalidades no caso do serviço público: como dizia Marie-Antoine Carême, o chef dos Reis e rei dos chefs, aos 21 anos chefe de cozinha de Tayllerand e que serviu também o Imperador Alexandre I e o Barão James de Rothschild, "para presidir a uma câmara política ou para ser embaixador é necessário um curso em gastronomia". Não é, pois, sem fundamento que os Parlamentos se chamam frequentemente Dietas, mesmo que em tais casas nem sempre se apoie o regime. Aliás, em Parlamento onde não há pão, toda a gente ralha e ninguém tem razão, o que explica por que nestes locais se come sempre bem, para que possa haver nem que seja uma pessoa com razão - esforço louvável, em prol da Nação.

E uma boa dieta não é incompatível com nada, nem com crenças religiosas, pois a riqueza da gastronomia permite sempre adaptar a dieta. Citando Emily Lotney, "um canibal convertido é o que à sexta-feira só come pescadores".

Que lição se pode tirar daqui para o nosso País? Para cada um de nós há uma dieta apropriada, a qual carece de ser bem determinada, evidentemente. Se temos dificuldade em dormir, intranquilidade crónica e perda de cabelo, há uma dieta a seguir, diferente se tivermos má circulação, alergias e um sono agitado. Mas em todas elas teremos que incorporar pelos menos três refeições de caril por semana. Se não o fizermos, com as barbaridades que se dizem nestes dias de campanha eleitoral, com o que ouvimos, a meio do zapping, no Canal Parlamento, com as pérolas com que nos mimam os nossos políticos todos os dias, damos em doidos.



Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico o que tem a dizer de o caril prevenir Alzheimer, Frederico respondeu: "Tinha qualquer coisa a dizer, mas esqueci-me."

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