Pesquisa traz esperança para devolver movimento a tetraplégicos. Em tese, abordagem dispensaria uso de membros mecânicos.
Reinaldo José Lopes Do G1, em São Paulo
Macaco-rabo-de-porco, espécie utilizada no experimento americano
Pessoas que ficam com o corpo paralisado após lesões na medula espinhal sofrem de uma desconexão trágica: seu cérebro e seus membros normalmente não perderam a funcionalidade, mas a ligação entre eles desaparece. E se fosse possível "pular" a área desconectada? Um trio de pesquisadores nos EUA mostrou que, em princípio, dá para fazer isso, com o resultado sonhado por qualquer tetraplégico: os músculos dos membros podem voltar a funcionar.
O teste da idéia, é bom que se diga, foi feito apenas em macacos-rabo-de-porco (Macaca nemestrina) e não levou a movimentos complexos, mas é inevitável pensar na esperança que isso traz para seres humanos. Se o conceito realmente for promissor e funcionar nos próximos ensaios em animais e humanos, vai ser possível usar sinais elétricos para transmitir instruções de movimento -- como agarrar um copo ou até caminhar -- diretamente do cérebro para os membros de pessoas que ficaram paralisadas.
A pesquisa está na edição desta semana da revista científica britânica "Nature" e leva a assinatura de Chet Moritz, Steve Perlmutter e Eberhard Fetz, da Universidade de Washington em Seattle (noroeste dos Estados Unidos). Experimentos com macacos usando apenas a "força da mente" para movimentar objetos virtuais ou reais não são exatamente novidade -- o brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke, é um dos pioneiros do ramo. A idéia envolve a leitura da atividade dos neurônios (células nervosas) dos bichos usando eletrodos especiais, os quais traduzem essa informação em comandos de movimento. O ápice dessa abordagem seria a criação de um "macaco ciborgue" (e, mais tarde, de um humano ciborgue) que usaria com desenvoltura o membro artificial.
Chega de intermediários
A diferença é que a nova pesquisa dispensa intermediários. "Sem o uso de braços robóticos, podemos dispensar os cálculos computacionais complicados para traduzir o sinal dos neurônios em movimento", explicou Moritz em teleconferência promovida pela "Nature". Além disso, os pesquisadores se concentraram em captar os sinais de um neurônio por vez, enquanto os demais trabalhos da área costumam envolver uma população de várias dezenas de células. "Um neurônio pode ativar vários músculos, então não se trata necessariamente de uma limitação", acrescenta Fetz.
Para os testes, os pesquisadores tiveram o cuidado de não tornar os macacos realmente paralíticos: empregaram apenas um anestésico que, na prática, impedia qualquer movimento ou sensibilidade nos braços. Os bichos tinham sido treinados para usar os neurônios conectados aos eletrodos como forma de mexer um cursor na tela de um computador, simplesmente "pensando". Agora, a tarefa mudava: os primatas tinham de usar os mesmos neurônios para estimular eletricamente os músculos do braço, de forma a contraí-los ou relaxá-los.
O experimento começou em áreas do cérebro ligadas ao movimento normal dos braços e pulsos, mas depois os pesquisadores descobriram que neurônios que não tinham nada a ver com esses processos tinham o mesmíssimo efeito, se treinados adequadamente. "Isso expande um bocado as possibilidades de controle com nosso sistema", avalia Moritz.
Nem é preciso dizer que há uma enorme distância entre contrair e relaxar alguns músculos e realizar movimentos complexos. Testes para tentar devolver totalmente a capacidade de andar, digamos, são coisa para daqui a dez ou 20 anos, afirma Moritz. "Por outro lado, talvez precisemos de apenas alguns neurônios para restaurar o movimento de pinça nos dedos da mão, o que aumentaria dramaticamente a qualidade de vida de um paciente", diz ele.
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