A desordem da vez
Por Sonia Melier • 06/03/2008
Álcoolorexia: não sei se nome vingará. Criei-o ainda há pouco, a partir do inglês drunkorexia, uma novidade também no léxico norte-americano. Ambas são mesma família da anorexia, ausência de apetite, o contrário de orexia, apetite compulsivo.
As duas jogam no mesmo time da ortorexia, bulimia, diabulimia, manorexia. Enfim, das doenças ligadas às desordens alimentares.
surpresa vem da minha ignorância a respeito de tantas doenças ou desordens alimentares. O susto parte do fato de que quase todas elas têm origem em comportamentos tolerados ou glorificados ou reforçados pela sociedade
Drunkorexia - álcoolorexia ou o nome técnico que oficialmente venha a ter -, segundo li em interessante matéria no "New York Times", descreve as pessoas, normalmente mulheres jovens, que compensam a falta de comida por todo um dia com o álcool. Ou quem exagera na comida e na bebida e depois provoca vômito para eliminar os excessos, o que é mais típico da bulimia.
Apesar de evitar comer ou de consumir calorias a todo custo, e por isso evitar o álcool, alguns anoréxicos buscam as bebidas para se acalmarem diante da pressão do apetite ou para aliviar a ansiedade por ter sido indulgente com um bom prato. "Tem também aqueles que consomem álcool como seu único sustento. Ou consomem drogas como cocaína e metanfetamina para suprimir o apetite", diz a matéria.
A reportagem do Times me surpreendeu. E assustou. A surpresa vem da minha ignorância a respeito de tantas doenças ou desordens alimentares. O susto parte do fato de que quase todas elas têm origem em comportamentos tolerados ou glorificados ou reforçados pela sociedade. Esse é o diagnóstico do Dr. Douglas Bunell, diretor de uma clínica especializada em casos relacionados ao abuso e dependência de drogas e desordens alimentares, na Filadélfia. Ele já presidiu a Associação Nacional de Desordens Alimentares.
Comenta o médico que "podemos responsabilizar, em parte, a obsessão com a magreza, mais a aceitação social das bebidas e do uso de drogas, e a percepção de que, entre as celebridades, o normal e até chique é acabar num centro de reabilitação". Segundo ele, "tomar porres é legal, na moda; perder peso e ficar fininha são imperativos culturais para as jovens americanas. A mistura das duas coisas já não surpreendente e hoje atinge proporções epidêmicas".
A reportagem tem importância particular para juntarmos outros fatos que, separadamente, podem nos levar a interpretações unilaterais. Por exemplo, um jornal inglês representante da classe médica está agora em campanha pela redução dos tamanhos das taças de vinho e também por garrafas menores do que as de 750 ml, o padrão. Com tamanhos de frascos menores se beberia também menos, educaríamos melhor os consumidores. A proposta é termos garrafas de 375 ml (a meia-garrafa) ou no máximo, de 500 ml de taças (o limite para duas pessoas). As taças-padrão tinham capacidade para 120 ml. Mas agora sua capacidade dobrou: 240 ml.
Assim posto, o excesso de álcool seria culpa dos tamanhos das garrafas e das taças atuais. Bastaria mudar a sofá de lugar que tudo votaria ao normal. Maneira hipócrita de se tratar qualquer problema. Quem é dependente de bebidas ou drogas não vai se importar com o tamanho de embalagens ou vasilhames. Logo, a reportagem do Time nos ajuda a entender melhor essas desordens.
A matéria revela que, segundo psicólogos, as desordens alimentares, como outras dependências, têm origem freqüentemente na necessidade de entorpecermos problemas emocionais com drogas ou com o ímpeto de beber demais e vomitar - um ziguezague neurótico de crime e castigo. "São desordem muitas vezes causadas por traumas na infância, como abuso sexual, negligência e outras fontes de angústia mental".
A manorexia é a versão masculina a anorexia. Ortorexia é a obsessão por comidas naturais, com muitos vegetais e cereais, nada de carnes, enlatados, conservantes. Mas o exagero leva a problemas. O ortoréxico, por exemplo, não come em casa de amigos ou de parentes, pois desconfiam do que será servido.
Já se foi o tempo em que uma Marilyn Monroe era o padrão a ser imitado: a mulher gostosona, confortável. Já se foi o tempo em que as cheinhas eram admiradas, pois refletiam mesa farta, prosperidade
A diabulimia refere-se a diabéticos que se recusam a tomar insulina, pois ela pode engordar.
A bulimia envolve o rápido consumo de grandes quantidades de alimentos seguida por vômito auto-induzido ou o uso de laxativos para livrar-se da comida. Muitos bulímicos bebem para facilitar o vômito.
Já se foi o tempo em que uma Marilyn Monroe era o padrão a ser imitado: a mulher gostosona, confortável. Já se foi o tempo em que as cheinhas eram admiradas, pois refletiam mesa farta, prosperidade e eram até modelos de um Botero, o famoso pintor colombiano. Então, nos anos 60, aconteceu a Twiggy, magérrima, considerada a primeira top model do mundo. Seu nome verdadeiro é Lesley Hornby. Twiggy é um apelido: twig em inglês é graveto, apropriado para uma baixinha de 42 quilos.
As moçoilas de hoje conhecem apenas as substitutas da Twiggy: Paris Hilton, Gisele Bündchen, Adriana Lima, entre outras. Querem também ser belas e famosas. E compulsoriamente magras. Talvez não saibam que podem passar a ser admiradas por especialistas em algumas das desordens alimentares citadas aqui.
Sonia Melier
Por Sonia Melier • 06/03/2008
Álcoolorexia: não sei se nome vingará. Criei-o ainda há pouco, a partir do inglês drunkorexia, uma novidade também no léxico norte-americano. Ambas são mesma família da anorexia, ausência de apetite, o contrário de orexia, apetite compulsivo.
As duas jogam no mesmo time da ortorexia, bulimia, diabulimia, manorexia. Enfim, das doenças ligadas às desordens alimentares.
surpresa vem da minha ignorância a respeito de tantas doenças ou desordens alimentares. O susto parte do fato de que quase todas elas têm origem em comportamentos tolerados ou glorificados ou reforçados pela sociedade
Drunkorexia - álcoolorexia ou o nome técnico que oficialmente venha a ter -, segundo li em interessante matéria no "New York Times", descreve as pessoas, normalmente mulheres jovens, que compensam a falta de comida por todo um dia com o álcool. Ou quem exagera na comida e na bebida e depois provoca vômito para eliminar os excessos, o que é mais típico da bulimia.
Apesar de evitar comer ou de consumir calorias a todo custo, e por isso evitar o álcool, alguns anoréxicos buscam as bebidas para se acalmarem diante da pressão do apetite ou para aliviar a ansiedade por ter sido indulgente com um bom prato. "Tem também aqueles que consomem álcool como seu único sustento. Ou consomem drogas como cocaína e metanfetamina para suprimir o apetite", diz a matéria.
A reportagem do Times me surpreendeu. E assustou. A surpresa vem da minha ignorância a respeito de tantas doenças ou desordens alimentares. O susto parte do fato de que quase todas elas têm origem em comportamentos tolerados ou glorificados ou reforçados pela sociedade. Esse é o diagnóstico do Dr. Douglas Bunell, diretor de uma clínica especializada em casos relacionados ao abuso e dependência de drogas e desordens alimentares, na Filadélfia. Ele já presidiu a Associação Nacional de Desordens Alimentares.
Comenta o médico que "podemos responsabilizar, em parte, a obsessão com a magreza, mais a aceitação social das bebidas e do uso de drogas, e a percepção de que, entre as celebridades, o normal e até chique é acabar num centro de reabilitação". Segundo ele, "tomar porres é legal, na moda; perder peso e ficar fininha são imperativos culturais para as jovens americanas. A mistura das duas coisas já não surpreendente e hoje atinge proporções epidêmicas".
A reportagem tem importância particular para juntarmos outros fatos que, separadamente, podem nos levar a interpretações unilaterais. Por exemplo, um jornal inglês representante da classe médica está agora em campanha pela redução dos tamanhos das taças de vinho e também por garrafas menores do que as de 750 ml, o padrão. Com tamanhos de frascos menores se beberia também menos, educaríamos melhor os consumidores. A proposta é termos garrafas de 375 ml (a meia-garrafa) ou no máximo, de 500 ml de taças (o limite para duas pessoas). As taças-padrão tinham capacidade para 120 ml. Mas agora sua capacidade dobrou: 240 ml.
Assim posto, o excesso de álcool seria culpa dos tamanhos das garrafas e das taças atuais. Bastaria mudar a sofá de lugar que tudo votaria ao normal. Maneira hipócrita de se tratar qualquer problema. Quem é dependente de bebidas ou drogas não vai se importar com o tamanho de embalagens ou vasilhames. Logo, a reportagem do Time nos ajuda a entender melhor essas desordens.
A matéria revela que, segundo psicólogos, as desordens alimentares, como outras dependências, têm origem freqüentemente na necessidade de entorpecermos problemas emocionais com drogas ou com o ímpeto de beber demais e vomitar - um ziguezague neurótico de crime e castigo. "São desordem muitas vezes causadas por traumas na infância, como abuso sexual, negligência e outras fontes de angústia mental".
A manorexia é a versão masculina a anorexia. Ortorexia é a obsessão por comidas naturais, com muitos vegetais e cereais, nada de carnes, enlatados, conservantes. Mas o exagero leva a problemas. O ortoréxico, por exemplo, não come em casa de amigos ou de parentes, pois desconfiam do que será servido.
Já se foi o tempo em que uma Marilyn Monroe era o padrão a ser imitado: a mulher gostosona, confortável. Já se foi o tempo em que as cheinhas eram admiradas, pois refletiam mesa farta, prosperidade
A diabulimia refere-se a diabéticos que se recusam a tomar insulina, pois ela pode engordar.
A bulimia envolve o rápido consumo de grandes quantidades de alimentos seguida por vômito auto-induzido ou o uso de laxativos para livrar-se da comida. Muitos bulímicos bebem para facilitar o vômito.
Já se foi o tempo em que uma Marilyn Monroe era o padrão a ser imitado: a mulher gostosona, confortável. Já se foi o tempo em que as cheinhas eram admiradas, pois refletiam mesa farta, prosperidade e eram até modelos de um Botero, o famoso pintor colombiano. Então, nos anos 60, aconteceu a Twiggy, magérrima, considerada a primeira top model do mundo. Seu nome verdadeiro é Lesley Hornby. Twiggy é um apelido: twig em inglês é graveto, apropriado para uma baixinha de 42 quilos.
As moçoilas de hoje conhecem apenas as substitutas da Twiggy: Paris Hilton, Gisele Bündchen, Adriana Lima, entre outras. Querem também ser belas e famosas. E compulsoriamente magras. Talvez não saibam que podem passar a ser admiradas por especialistas em algumas das desordens alimentares citadas aqui.
Sonia Melier
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