quinta-feira, 6 de março de 2008

STF suspende julgamento sobre o futuro das pesquisas com células-tronco

Ministro Menezes Direito pediu vista interrompendo a sessão faltando ainda 9 votos de 11.
O relator da matéria e a presidente do STF se declararam a favor das pesquisas.

Gustavo Tourinho Do G1, em Brasília

O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou, nesta quarta-feira (5), a decisão sobre a liberação ou não das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil. O adiamento ocorreu devido ao pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que alegou precisar de mais tempo para analisar o caso.

O julgamento começou às 14h16 desta quarta e foi encerrada pouco antes das 19h. Desde o início especulava-se, nos bastidores do STF, que um pedido de vista de algum dos 11 ministros do Supremo poderia interromper a sessão.
Foto: Divulgação
Divulgação
O ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto (Foto: Divulgação)
Antes do pedido de vista o relator da matéria, ministro Carlos Ayres Britto, já havia dado seu voto. Ele é favorável às pesquisas com células-tronco embrionárias. Durante aproximadamente 1h45 de sustentação oral, ele deu "pistas" de como votaria. E disse acreditar que o julgamento é o mais importante da história do STF.

"A vida começa na fecundação. O embrião é o embrião, o feto é o feto, e a pessoa humana é a pessoa humana. A pessoa humana não se antecipa à metamorfose do embrião. Não há pessoa humana embrionária", enumerou, fazendo uma analogia com as fases da vida de uma borboleta: "uma crisálida não é uma borboleta, assim como um embrião não é uma pessoa humana".

Para o relator, os embriões submetidos à técnica do congelamento são viáveis para a pesquisa, mas inviáveis para a fecundação. "Nem todo embrião gera uma vida humana", argumentou.

Antes de conceder o pedido de vista, a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, resolveu adiantar seu voto e se declarou também a favor das pesquisas, acompanhando o relator. Ela alegou que a corte já está sobrecarregada com outros processos e é preciso, segundo ela, apressar o andamento desse processo.
Foto: Marcello Casal/Agência Brasil
A presidente do STF, Ellen Gracie, durante sessão que discute liberação de pesquisas com células-tronco (Foto: Marcello Casal/Agência Brasil)
Com os dois votos a favor das pesquisas, ficam faltando então os votos de 9 ministros do STF. Ellen Gracie não determinou quando seria retomado o julgamento. A volta vai depender do ministro Menezes Direito se sentir preparado para dar seu voto.

Os ministros têm de decidir se laboratórios e cientistas podem realizar pesquisas científicas com o uso dessas células, como permite a Lei de Biossegurança. Aprovada pelo Congresso Nacional em 2005, ela foi alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) do então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles.

O artigo 5º da lei, que permite as pesquisas com células-tronco embrionárias congeladas por mais de três anos, e com autorização dos doadores dos embriões, fere a proteção constitucional do direito à vida e a dignidade da pessoa humana, segundo Fontelles. Para ele, a vida humana começa com a fecundação.

Inviolabilidade da vida humana
Na abertura do julgamento, o relator, ministro Ayres Britto, citou a embriologia e até a filosofia para enumerar argumentos contrários e favoráveis à pesquisa com células-tronco embrionárias. "A questão das células-tronco é multidisciplinar, permeia várias esferas da vida social e humana", disse ele.
Em seguida, foi a vez de o atual procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, defender a inconstitucionalidade da lei aprovada pelo Congresso. Para ele, o assunto não tem a ver com religião, mas, sim, com questões jurídicas.

"O artigo 5º da Constituição Federal prevê a inviolabilidade da vida humana. O direito à vida se dá a partir do momento da concepção. Retirar células de ser humano está em descompasso com as normas constitucionais", defendeu Antonio Fernando de Souza.

'Faroeste de embriões'
O advogado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ives Gandra Martins, foi o próximo a falar. Ele embasou sua defesa na mesma linha de argumentação do procurador-geral: o ser humano possui direito à vida, segundo a Constituição Federal.

Gandra Martins criou a expressão "faroeste de embriões" para tentar vislumbrar o que acontecerá se as pesquisas com células-tronco embrionárias forem permitidas no Brasil: a criação de uma espécie de tráfico de embriões.

Ele destacou, ainda, a falta de terapias viáveis envolvendo células-tronco embrionárias desde sua descoberta, há 10 anos. Ele exaltou o uso terapêutico das células-tronco adultas.

Ricos x pobres
O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, tentou convencer os 11 ministros do STF a permitir as pesquisas, rejeitando a Adin. "O direito do nascituro somente vale se ele nasce com vida. Antes disso, ele não tem direito, ele tem expectativa de direito", argumentou.

Toffoli comparou as diferenças entre as penas impostas a um assassino e a uma mãe que aborta um feto. "Se estamos falando da mesma vida, por que um assassino pode pegar de seis a 20 anos de prisão e a mãe que aborta, de um a quatro de reclusão?"

Toffoli citou, também, o fato de que já existe tratamento com células-tronco embrionárias no exterior. Para ele, o cidadão poderá recorrer à Justiça brasileira para que o Sistema Único de Saúde (SUS) pague seu tratamento em outros países. "Está correto um brasileiro pobre não ter acesso ao tratamento, enquanto um rico o consegue no exterior?", indagou.

Contra o tempo
O advogado do Congresso Nacional, Leonardo Mundim, também defendeu a Lei da Biossegurança, aprovada na casa em 2005. "A célula-tronco embrionária pode se transformar em qualquer célula do corpo humano, e pode ser a cura para várias doenças", disse.

"Os que têm problemas genéticos ou físicos não podem mais aguardar. Nós podemos, eles não podem mais esperar. A fecundação não é o início da vida. Há vida no óvulo e no espermatozóide", explicou.

Exilados
O advogado do Movimento em Prol da Vida (Movitae), Luís Roberto Barroso, também defendeu as pesquisas com células-tronco embrionárias. "Se não fizermos essas pesquisas, vamos ficar para trás. Vamos criar os 'exilados', que vão se tratar no exterior. Qual é o pai que vai se negar a curar um filho ou uma filha por não concordar com a maneira como o tratamento foi idealizado", vislumbrou.

Barroso rebateu dois argumentos daqueles que são contra as pesquisas: um relacionado ao aborto e outro relacionado ao tráfico de embriões. "Pesquisas com células-tronco embrionárias não têm nada a ver com aborto. Não é interrupção da gestação", disse. "Comércio de embriões? Essa argumentação não se sustenta. É o mesmo que proibir transplante de órgãos pois pode haver tráfico de órgãos. Não vamos fazer o bem porque o mal tem chance de ganhar?", perguntou.

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