sábado, 19 de abril de 2008

BOTULISMO

2.1 Definição

O botulismo é uma intoxicação específica, e não uma infecção, resultante da ingestão e absorção pela mucosa digestiva de toxinas pré-formadas do Clostridium botulinum, que levam o animal a um quadro de paralisia motora progressiva.

2.2 Etiologia

O Clostridium botulinum é um bacilo anaeróbio, gram-positivo, formador de esporos, encontrado no solo, água, matéria orgânica de origem animal e vegetal, e no trato gastrointestinal dos animais. Os esporos são extremamente resistentes, podendo sobreviver por longos períodos nos mais diversos ambientes, proliferando em carcaças ou material vegetal em decomposição, nos quais produz uma neurotoxina que, quando ingerida, causa a doença.

Há oito tipos distintos de toxinas botulínicas (A, B, C1, C2, D, E, F e G) em função de suas diferenças antigênicas, mas todas possuem ações farmacológicas semelhantes. As que mais comumente podem afetar os bovinos são as do tipo C e D, embora haja relatos de casos de botulismo em bovinos no Brasil por toxinas tipo A e tipo B (Schoken-Iturrino et al., 1990; Lobato et al., 1988).

2.3 Epidemiologia

O botulismo em bovinos tem sido mais comumente descrito em rebanhos a campo, estando normalmente associado a uma deficiência de fósforo nas pastagens, bem como devido a uma inadequada suplementação mineral, que determina um quadro de depravação do apetite, com osteofagia, nos animais. Nos alimentos, o esporo passa, em geral, sem causar problemas pelo trato alimentar do animal vivo, mas, em carcaças o esporo encontra condições ideais de anaerobiose para se desenvolver e produzir toxinas, contaminando principalmente os ossos, cartilagens, tendões e aponeuroses que são mais resistentes à decomposição. Com isso, ao ingerir fragmentos de tecidos ou ossos, outros bovinos adquirem a toxina e, também, esporos, estabelecendo assim a cadeia epidemiológica do botulismo a campo (Langenegger & Döbereiner, 1988).

As condições de risco para animais confinados ocorrem quando estes recebem silagem, feno ou ração mal conservadas, com matéria orgânica em decomposição, ou com cadáveres de pequenos mamíferos ou aves, que criam condições ideais para multiplicação bacteriana e produção de toxina. Smith (1977) denomina de "intoxicação da forragem" o botulismo decorrente do consumo de feno ou silagem contaminados pela carcaça de pequenos animais mortos acidentalmente e incorporados ao alimento durante sua preparação. Reservatórios de água contaminados por carcaças de roedores ou pequenas aves, também podem ser considerados como possíveis fontes de infecção para bovinos estabulados.

A cama de frango usada na suplementação alimentar de bovinos tem sido relatada como a maior fonte de infecção para animais confinados nos últimos anos, em função da presença de restos de aves (Bienvenu et al., 1990; Hogg et al., 1990; Schoken-Iturrino, 1990; Jones, 1991; Lobato et al., 1994 b).

A possibilidade de surtos de botulismo que apresentem como fonte de infecção águas paradas, associados a períodos de estiagens prolongadas, épocas quentes e altas concentrações de material em decomposição, têm sido mais comumente descritos em aves (Brada et al., 1971), embora haja relatos de casos em búfalos em áreas alagadas no Maranhão (Langenegger & Döbereiner, 1988) e em bovinos de diferentes categorias, em áreas com águas estagnadas, nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Dutra et al., 1990).

2.4 Patogenia

O quadro clínico é determinado pela ingestão de toxinas pré-formadas que, após serem absorvidas e alcançarem a circulação, ligam-se a receptores no Sistema Nervoso Periférico, bloqueando a síntese e liberação de acetilcolina, que atua como mediadora do impulso nervoso, determinando assim um quadro de paralisia flácida. Não há efeito da toxina no Sistema Nervoso Central.

2.5 Sintomas Clínicos

O botulismo é uma intoxicação cujo quadro sintomatológico, no que diz respeito à velocidade de aparecimento dos sintomas e severidade, está diretamente relacionado com a quantidade de toxina ingerida pelo animal. O período de incubação pode variar de algumas horas até dias. Em relatos de surtos da doença associada a cama de frango, Bienvenu et al. (1990) descrevem a ocorrência de novos casos em um período de até 18 dias após a remoção do alimento contaminado.

A doença pode ser dividida em quatro formas distintas (superaguda, aguda, subaguda e crônica), de acordo com a gravidade dos sintomas e do tempo de vida do animal (Ristic & McIntire, 1981).

Na fase inicial, os animais apresentam graus variados de embaraço, incoordenação, anorexia e ataxia. Tem início então, um quadro de paralisia muscular flácida progressiva, que começa pelos membros posteriores e faz com que os animais prefiram ficar deitados (em decúbito esterno-abdominal) e, quando forçados a andar, o fazem de maneira lenta e com dificuldade (andar cambaleante e lento). O componente abdominal da respiração se torna acentuado e o vazio se torna fundo. Não há febre. Os animais podem sucumbir repentinamente se estressados.

Com o avanço da doença, a paralisia muscular se acentua, impedindo que o animal se levante, embora ainda seja capaz de se manter em decúbito esternal, progredindo para os membros anteriores, pescoço e cabeça, que faz com que a cabeça fique junto ao solo ou voltada para o flanco. A paralisia muscular afeta a mastigação e a deglutição, levando ao acúmulo de alimentos na boca e sialorréia, além de exteriorização espontânea da língua (protrusão). O animal apresenta diminuição dos movimentos ruminais.

Na fase final o quadro de prostração se acentua, fazendo com que o animal tenha dificuldade para se manter em decúbito esternal, tombando para os lados (em decúbito lateral). A consciência é mantida até o final do quadro, quando o animal entra em coma e morre.

Nos quadros mais agudos, a morte ocorre em um ou dois dias, após o início dos sintomas, geralmente por parada respiratória em função da paralisia dos músculos responsáveis pelos movimentos respiratórios.

Em casos subagudos, o animal sobrevive por três a sete dias, sendo a forma mais comum encontrada a campo. Esta forma apresenta a sintomatologia de forma mais evidente, porque desenvolve-se em um período mais longo.

Já na forma crônica o animal sobrevive por mais de sete dias, e um pequeno número deles pode até recuperar-se após três ou quatro semanas, uma vez que os sintomas não ocorrem de maneira tão acentuada como nas formas anteriores. Apesar do decúbito, os animais podem continuar se alimentando, visto que o apetite se mantém. Animais que se recuperam podem apresentar estertores respiratórios que persistem por algum tempo.

2.6 Patologia Clínica

Normalmente não são observadas alterações de cálcio, magnésio e fósforo. Alguns autores têm relatado albuminúria e glicosúria, embora não seja considerado um achado consistente, porque ocorre em somente alguns animais (Blood & Henderson, 1978).

2.7 Achados de Necropsia

A maior parte dos relatos afirma que não são observadas alterações específicas. Pode haver presença de hemorragias subendocárdicas ou subepicárdicas, congestão de mucosa ou serosa intestinal, assim como edema, hemorragias e hiperemia em nível de cérebro (Blood & Henderson, 1978; Cardoso et al., 1994).

2.8 Diagnóstico

O diagnóstico deve se basear no histórico e no quadro clínico apresentado pelo animal, sendo que sua comprovação requer o auxílio de testes laboratoriais em amostras de material coletadas de animais suspeitos (soro sangüíneo, extrato hepático, líquido ruminal e conteúdo intestinal). O diagnóstico clínico é importante, uma vez que, nem sempre a comprovação laboratorial é possível, e o atraso na adoção de medidas de controle em caso de surto da doença, em função da espera de resultados laboratoriais, pode acarretar a perda de inúmeros animais.

O Bioensaio consiste na inoculação intraperitoneal de amostras, centrifugadas e filtradas, em camundongos e na observação, durante três a quatro dias, se há manifestação do quadro clínico. Deve-se atentar para o fato de que uma resposta negativa não significa que a doença não tenha ocorrido, pois a toxina pode ter sido absorvida e metabolizada em sua maior parte, principalmente naqueles animais doentes há algum tempo. Devido às características da toxina e da alta sensibilidade do bovino à mesma, os resultados laboratoriais são, em até mais de 90% dos casos, negativos para a toxina botulínica quando se utiliza material colhido de animais em quadro de intoxicação, inclusive experimental (Dutra & Döbereiner, 1995).

Outros métodos laboratoriais que vêm sendo utilizados são a Prova de Soroneutralização e o Teste de Microfixação de Complemento, que buscam identificar o tipo de toxina presente no material examinado, com auxílio de antitoxinas botulínicas C e D. Este último, segundo Dutra et al. (1993), tem se mostrado bem mais sensível que o Bioensaio.

2.9 Diagnóstico Diferencial

Deve ser feito para todas aquelas enfermidades que levam o animal a um quadro de decúbito (raiva, hipocalcemia, encefalites, traumas etc.).

Em função da falta de achados na necropsia, da ausência de comprovação laboratorial dos casos suspeitos e de um eficiente diagnóstico diferencial, muitos casos de botulismo são atribuídos a outras doenças ou síndromes, sendo o inverso também verdadeiro.

2.10 Tratamento

O tratamento é indicado nos casos subagudos ou crônicos, nos quais os sintomas se desenvolvem mais lentamente (Blood & Henderson, 1978; Jones, 1991). Como não há antitoxina disponível no mercado, recomenda-se o tratamento sintomático, que visa dar condições, quando possível, para que o animal resista ao quadro clínico apresentado.

São indicadas soluções hidroeletrolíticas, purgativos (na tentativa de remover a toxina do trato alimentar), hepatoprotetores, vitaminas do complexo B e soluções injetáveis de cálcio e fósforo. Nos casos de decúbito prolongado, deve-se ficar atento para problemas decorrentes desta situação (escaras e atrofias musculares ou nervosas), evitando que os mesmos se acentuem. O uso de antibióticos é indicado para prevenir ou controlar o aparecimento de infecções secundárias decorrentes do estado de debilidade do animal, embora Jones (1991) alerte para que se evite o uso de antibióticos que possam potencializar o bloqueio neuromuscular (penicilina procaína, tetraciclina ou aminoglicosídeos).

Uma medida importante a ser tomada é a identificação e remoção da fonte de contaminação, assim como a vacinação imediata de todos os animais que estão sujeitos ao mesmo tipo de fonte de infecção (alimento ou água contaminada). Como o período de latência da vacina varia de duas a três semanas, outros casos poderão ainda ocorrer.

2.11 Prevenção

A melhor medida preventiva a ser tomada é a vacinação dos animais. A vacina deve ser aplicada em duas etapas, com um mês de intervalo entre as mesmas. Como a vacina necessita de um período de 16 a 18 dias para conferir proteção efetiva, recomenda-se que a primeira dose da vacina seja feita um mês antes da entrada do animal no confinamento. Embora o nível de proteção das vacinas não seja totalmente satisfatório, este ainda é considerado o método de proteção mais eficaz (Lobato et al., 1994 a).

Animais vacinados podem apresentar a doença quando expostos a uma fonte de contaminação com altas cargas de toxina. Isto se deve ao fato de que o grau de proteção da vacina é efetivo apenas contra determinada quantidade de toxina, além do que, a toxina é pouco imunogênica em casos de contaminação ambiental, não estimulando assim a produção de anticorpos, sendo estes oriundos somente da vacina.

O correto armazenamento do feno, da silagem e da ração, a fim de evitar material em decomposição e os devidos cuidados na alimentação dos animais com cama de frango, são consideradas medidas auxiliares importantes na prevenção do botulismo.

Vale a pena lembrar que as medidas preventivas acima descritas são destinadas aos animais confinados. Nos casos de surtos da doença em animais criados extensivamente, uma correta medida de prevenção do botulismo consiste na adoção de uma mistura mineral de boa qualidade, associada a uma eficaz remoção de carcaças e ossos das pastagens. A mistura mineral deve estar formulada para atender às necessidades da categoria animal para a qual será destinada, de acordo com as condições de solo e pastagens da propriedade. É importante também um correto esquema de distribuição, com cochos em quantidade suficiente (1 metro de cocho para 50 animais, no mínimo), de preferência cobertos ou local de fácil acesso para os animais (próximo aos bebedouros, áreas de descanso ou áreas de maior pastejo). A vacinação pode ser uma alternativa válida em áreas endêmicas, nas quais não se consegue identificar o fator predisponente ao botulismo.



2.12 Referências Bibliográficas
BIENVENU, J.G.; MORIN, M.; FORGET, S. Poultry litter associated botulism (type C) in cattle. Canadian Veterinary Journal. Ottawa , v.31, n.10, p.111, 1990.

BLOOD, D.C.; HENDERSON, J.A. Medicina veterinária. 4.ed. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 1978. 871p.

BRADA, W.; LANGENEGGER, J.; LANGENEGGER, C.R.; Botulismo em aves no estado do Rio de Janeiro. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Série Veterinária. Brasília, v.6, n.4, p.27-32, 1971.

CARDOSO, A.L.M.; MINEO, J.R.; SILVA, D.A.O.; SOUZA, M.A.; COELHO, H.E.; TAKETOMI, E.A.; METIDIERI, M.A.; ROSA, M.A. Botulismo experimental em bovinos induzido pela toxina tipo D: avaliação clínica e laboratorial. A Hora Veterinária. Porto Alegre, v.13, n.78, p.58-62, 1994.

DUTRA, I.S.; DÖBEREINER, J.; ROSA, I.V.; BOND, V. Botulismo de origem hídrica em bovinos no Brasil. In: CONGRESSO MUNDIAL DE BUIATRIA, 16, 1990, Salvador. Anais... Salvador, 1990. p.547-550.

DUTRA, I.S.; WEISS, H.E.; WEISS, H.; DOBEREINER, J. Diagnóstico do botulismo em bovinos no Brasil pela técnica de microfixação de complemento. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v.13, n.3/4, p.83-86, 1993.

DUTRA, I.S.; DÖBEREINER, J. Fatos e teorias sobre a "doença da vaca caída": botulismo. A Hora Veterinária, Porto Alegre, v.14, n.84, p.7-10, 1995.

HOGG, R.A.; WHITE, V.J.; SMITH, G.R. Suspected botulism in cattle associated with poultry litter. Veterinary Record, London, v.126, n.19, p.476-479, 1990.

JENSEN, R.; MACKEY, D.R. Diseases of feedlot cattle. Philadelphia : Lea & Febiger, 1974. 377p.

JONES, T.O. Bovine botulism. In Practice, Kent, v.13, n.3, p.84-86, 1991.

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RISTIC, M.; McINTYRE, I. Diseases of cattle in the tropics. The Hague : Martinus Nijhoff, 1981. 662p.

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SMITH, L.D. Botulismo. El microorganismo, sus toxinas, la enfermidad. Zaragoza : Acribia, 1977. 214p.


2.13 Bibliografia consultada

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BUXTON, A.; FRASER, G. Animal microbiology. Oxford : Blackwell Scientific Publications, 1977. 492p.

GURGEL, A.R.; RIBAS, A.J.; LEMOS, R.A.; DUTRA, I.S. Diagnóstico laboratorial do botulismo em bovinos através do bioensaio em camundongos. CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 5., 1993, Bauru. Caderno de Resumo... Bauru : UNESP, 1993. p.237-238.

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