A relação da mortalidade por doença arterial coronária entre homens e mulheres que em 1970 era de 10 para 1, hoje é 2,45 para 1 no Estado de São Paulo. Apesar de reconhecermos que parte desta diferença foi ocasionada pelo diagnóstico inadequado da doença arterial coronária nas mulheres, a prevalência do tabagismo em 1970 foi inferior a 10% nas mulheres com idade entre 15 e 64 anos e atualmente é ao redor de 25%, sendo de até 33% nas mulheres na fase fértil.
As mulheres brasileiras têm também um dos mais elevados coeficientes de mortalidade por doença cerebrovascular no mundo, principalmente antes dos 64 anos(3).
Peculiaridades do tabagismo nas mulheres
1. Implicações na fase reprodutiva
A taxa de fertilidade é menor nas mulheres fumantes. Este efeito foi constatado examinando a concentração de nicotina e de cotidina no fluido folicular ovariano e a capacidade do oócito ser fertilizado in vitro. A fertilização foi observada em 75% e 57%, respectivamente, na ausência ou presença dessas substâncias.Ocorrendo fertilização, durante a gravidez, o tabagismo acarreta ações consideravelmente deletérias para a mãe e para o concepto.
A nicotina reduz o fluxo placentário, determinando envelhecimento precoce da placenta e favorecendo descolamento prematuro, abortamento, menor crescimento do feto, neonato com baixo peso e, portanto, maior natimortalidade. Fumar de um a quatro cigarros já reduz consideravelmente o fluxo placentário.
Em estudo realizado e no Estado de Missouri (EUA) no período de 1979 a 1983, pela análise de 360 mil certificados de nascimento, foi observado 25% e 50% maior risco de morte fetal ou neonatal em ulheres que fumavam, respectivamente, menos ou mais de 20 cigarros por dia.
Mais preocupante ainda é o uso de anticoncepcionais hormonais em fumantes, pois eles potencializam os efeitos trombogênicos. O risco de doença coronária chega a ser 39 vezes e o risco de acidente vascular cerebral 22 vezes superior em fumantes que usam anticoncepcionais com não fumantes ou com fumantes que deles não fazem uso . Isto torna imperioso o interrogatório sobre o tabagismo, particularmente quando há indicação do uso de anticoncepcionais.
As ações desfavoráveis do tabagismo sobre o perfil de coagulação, lipídico, metabólico (síndrome de resistência a insulina e o dano endotelial por ele causado são responsáveis pelo aparecimento e desencadeamento da doença aterosclerótica coronária e cerebral em ambos os sexos. Acrescenta-se ainda nas mulheres ação antiestrogênica, ocasionada pela nicotina, proporcionando elevação no risco de aparecimento de doença aterosclerótica antes da menopausa.
Foi constatado que nas mulheres fumantes maior metabolização hepática de estrógeno, sendo este efeito dose-dependente, ou seja, quanto maior o consumo de cigarros menor a concentração sérica de estrógenos e sua produção ovariana. Esta situação é reversível quando da interrupção do fumo.
Hoje sabemos que a menor incidência de eventos isquêmicos nas mulheres antes da menopausa são determinados pelos efeitos cardioprotetores dos estrógenos, e que nas mulheres fumantes é significativamente maior a ocorrência de menopausa precoce, antecipando o risco do aparecimento da doença cardiovascular. Estudo com 32 mil mulheres de 43 a 50 anos observou maior prevalência da menopausa entre as fumantes.
2. Implicações na menopausa
Ainda em conseqüência da ação antiestrogênica, há maior incidência de osteoporose, principalmente, na fase da menopausa. Evidências dessa alteração foram observadas em estudos com o uso da densitometria óssea, em que foram constatadas maiores perdas ósseas em fumantes. A interrupção do fumo antes da menopausa possibilita redução de 25% na ocorrência da osteoporose.
Existe grande evidência derivada de estudos epidemiológicos que a reposição hormonal possa diminuir o risco cardiovascular das mulheres na menopausa, principalmente na prevenção primária; além de proporcionar alívio de sintomas (ondas de calor, irritabilidade, depressão) e impedir a rápida progressão da desmineralização óssea. Nas mulheres fumantes, existe diminuição da efetividade do tratamento com reposição hormonal. Contudo, a proporção de mulheres fumantes que se beneficiam com o tratamento foi consideravelmente maior que não fumantes.
Evidências epidemiológicas do aumento de risco cardiovascular
O tabagismo é o principal fator de risco para doença arterial coronária nas mulheres. Estudo com 11843 homens e mulheres na faixa etária de 25 a 52 anos, residentes na Noruega, revelou que as mulheres que fumavam mais de 20 cigarros por dia tinham seis vezes mais chances de ter infarto agudo do miocárdio quando comparadas a não fumantes. Nos homens fumantes o risco foi três vezes maior.
Interessante ressaltar que não existe diminuição do risco de infarto do miocárdio nas mulheres que fumam cigarros com menores teores de alcatrão e nicotina .
O tabagismo tem sido também associado a espasmos coronarianos em mulheres na pré-menopausa. Estudo caso-controle comparou 21 mulheres com angina de peito cuja a cineangiocoronariografia revelou somente espasmo coronariano induzido ou não por drogas, com 59 mulheres de mesma faixa etária assintomáticas e sadias. O tabagismo esteve presente em 62% das mulheres com espasmos e somente em 17,5% das mulheres assintomáticas e sadias.
O seguimento por seis anos de mulheres com mais de 55 anos submetidas a cirurgia de revascularização do miocárdio revelou risco 1,6 vez maior de morte nas tabagistas em comparação com as que abandonaram o tabagismo(16). Este comportamento também foi observado entre as mulheres com menos de 55 anos de idade.
Estudo da Saúde das Enfermeiras Americanas mostrou risco 2,58 vezes maior de acidente vascular cerebral nas fumantes. Este risco incluiu o acidente vascular cerebral isquêmico e hemorrágico, e foi tanto maior quanto maior o número de cigarros fumados.
Nas mulheres, o tabagismo constituiu fator de risco para aterosclerose de artérias membros inferiores, diminuindo a tolerância a caminhadas inclusive no plano horizontal.
Interrupção do tabagismo
A interrupção do tabagismo esta associada a redução de 50% a 70% do risco para doenças cardiovasculares nas mulheres. Após dois a três anos de abandono do tabagismo as ex-fumantes têm risco cardiovascular igual as das mulheres que nunca fumaram(20). Entretanto, apesar do grande benefício em parar de fumar, as mulheres apresentam mais dificuldades que os homens.
Não é incomum muitas interromperem o tabagismo durante a gestação, motivadas por preocupação com o feto ou por aversão ao cigarro proporcionada pelas alterações hormonais próprias da gravidez. No entanto, a taxa de recaída após a concepção é muito elevada. Fora do período da gravidez, a preocupação com ganho de peso é muitas vezes responsável por recaídas ou mesmo, importante fator desmotivador.
Parar de fumar envolve ganho de peso em ambos os sexos. Estudo que acompanhou 5887 homens e mulheres fumantes com idade entre 35 a 60 anos, residentes no EUA e Canadá (Lung Health Study)(21), no período de 1986 a 1994, observou, nas mulheres que pararam de fumar, uma média de ganho de peso de 5,2 ± 5 quilos no primeiro ano e 3,4 ± 5,5 quilos até o quinto ano. Entre os homens, o ganho de peso foi 4,9 ± 4,9 no primeiro ano e 2,6 ± 5,8 quilos até o quinto ano. Quando se utilizou produtos farmacológicos que diminuem a abstinência a nicotina o ganho de peso foi menor.
No Instituto de Coração realizamos tratamento com nicotina transdérmica em 100 fumantes, sendo 50 homens e 50 mulheres(22). O sucesso em parar de fumar ao final de um ano foi de 50% nos homens e 32% das mulheres. O ganho de peso nas mulheres foi de 3,9 ± 3,4 quilos e nos homens de 3,7 ± 2,5 quilos. Possivelmente este efeito tenha sido decisivo para menor eficácia do tratamento nas mulheres.
Entendemos que para otimizarmos os resultados na abordagem do tabagismo nas mulheres, devamos acrescentar orientações dietéticas específicas e valorizar a necessidade de incorporar atividade física durante esta abordagem. Recentemente, temos a possibilidade de prescrever no tratamento da abstinência ao fumo o antidepressivo bupropiona, que parece minimizar o ganho de peso por diminuição do apetite.
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